domingo, 8 de junho de 2014

Niilismo da beleza em Agamben

Rossano Pecoraro*
HU On-Line – Em que consistira o niilismo da beleza, ao qual se refere Agamben em Nudità? Rossano Pecoraro –Devemos nos entender a respeito desse livro recém-lançado na Itália.  Nudi-tà ( Nudez) é uma coletânea, bastante diversifica-da do ponto de vista temático, de ensaios e textos  curtos, alguns dos quais já publicados no passado e que se concentram em argumentos como o sujeito e o impessoal, a calúnia na obra de Kafka, a fotografia, a dança, a práxis da arte... E principalmente em dois temas de grande importância, decisiva contribuição talvez ainda porvir de Agamben à discussão contemporânea, vale dizer, a “inoperosidade” e a “estética da existência”. 

Quanto à expressão “niilismo da beleza”, ela é usada quase de passagem e em um sentido bastante amplo, em um dos escritos, intitulado justamente Nudità, que compõem o livro. Niilismo, aqui, designa a redução da beleza a pura aparência. Trata-se de uma atitude, escreve Agamben, “comum a muitas belas mulheres”, que, mediante essa “redução”, esse “desencanto da beleza”, essa forma “especial de niilismo”, transfiguram a sua beleza em pura aparência, em mero “valor de exposição”, cuja exibição dissolve toda ideia de que ela (a beleza) “possa significar algo que não ela mesma”.

 Este niilismo, porém, denuncia também a presença de um fascínio singular, um abismo de conteúdos no invólucro da aparência, os segredos que se revelam na nudez quando ela ao mostrar-se declara com desdém e impudência: “Olhe então essa absoluta, imperdoável ausência de segredo!”. A nudez, pois, que “como uma voz branca”, sem máculas, inocente, “não significa nada e, exatamente por isso, traspassa-nos”. E que, sobretudo, “desativa o dispositivo teológico” que afirma a distinção entre a graça e a corrupção, deixando entrever destarte “o simples, inaparente corpo humano”.

IHU On-Line – Nosso mundo é obcecado pela beleza? Que evidências demonstram isso? 
Rossano Pecoraro – Não sei se há evidências dessa obsessão. Há sim uma série de sinais que atravessam a atualidade: as capas de jornais e revistas, as tendências da moda e da propaganda, a influência da “personalidade” e dos “ideais” dos vários BBBs confinados nas casas espalhadas pelo mundo, a Ge-stell (termo heideggeriano de grande interesse, que traduzo, de acordo com Gianni Vattimo, como “im-posição”) de padrões baseados na aparência, na busca pela perfeição, na recusa do envelhecimento etc. Todavia, o culto à beleza e ao corpo possui raízes, e razões, antiguíssimas; e os sinais do nosso tempo que nisso insistem devem ser interpretados de uma forma menos preconcebida, mais crítica e rigorosa. É o que Agamben faz.

HU On-Line – A supremacia expressiva do rosto não está sendo suplantada por uma obsessão do corpo pela forma perfeita, por um padrão físico momentâneo? 
Rossano Pecoraro – Na minha opinião, não se trata exatamente disso. Para Agamben, no ensaio que estamos examinando, a nudez de um corpo parece colocar em questão a supremacia do rosto; na verdade, porém, o corpo nu se põe “ele mesmo como rosto” e por sua vez o rosto carrega, desvela e exibe a nudez do corpo. Como disse em precedência, o que está em jogo é a tentativa de não pensar mais em termos de lógica binária, de oposições, dicotomias e substituições.

HU On-Line – É possível conectar as de Nudità com o conceito de vida nua? Por quê? 
Rossano Pecoraro – Não sei. Não temos muitas pistas para acompanhar essa reflexão ensaística (isto é: prova, experiência de pensamento, tentativa) sobre a nudez. De qualquer maneira, um primeiro passo para possíveis conexões deveria ser estudar as relações entre uma das categorias fundamentais no “sistema” agambeniano, justamente a “vida nua”, a biopolítica e o anseio pela possibilidade de uma “nova política”, o método arqueológico e as ideias mais recentes que busquei sintetizar na resposta à sua terceira pergunta.
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* Filósofo.
Fonte: IHU:  http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/formacao/45_cadernosihuemformacao.pdf-  
Trechos da entrevista.
 Imagem da Internet

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