sábado, 16 de agosto de 2014

Eduardo se foi

Juremir Machado da Silva*

 O grande escritor argentino Borges, que terminou a vida cego, escreveu luminosamente que a realidade gosta de simetrias 
e de leves anacronismos.

Ontem, pela manhã, comecei a escrever um texto sobre Eduardo Campos. Pretendia fazer quatro parágrafos sobre a entrevista que ele dera à televisão na noite anterior. Ao meio-dia, parei. Decidi continuar no dia seguinte. Queria englobar as entrevistas de Aécio Neves, Eduardo Campos e Dilma Rousseff. Meu artigo nunca será concluído. Eduardo Campos jamais será presidente da República. A morte o tirou da corrida eleitoral. Quando soube da notícia, pensei imediatamente nos acidentes aéreos que mataram personagens da nossa história, entre os quais Fernando Ferrari e Salgado Filho. O senador Pedro Simon, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, também se lembrou dessas perdas históricas em quedas de avião. Eduardo se foi cedo.

O grande escritor argentino Borges, que terminou a vida cego, escreveu luminosamente que a realidade gosta de simetrias e de leves anacronismos. Em outras palavras, a vida, muito mais do que as novelas e os romances, é pródiga em coincidências. Eduardo Campos morreu, como seu avô e referência política, em desastre de avião num 13 de agosto. Agosto, mês de desgosto, do suicídio de Getúlio Vargas, há 60 anos, da renúncia de Jânio Quadros, há 53 anos, e de todo um imaginário de tristezas e medos. Marina Silva pretendia viajar no avião com Eduardo Campos. Mudou de ideia na última hora. Poderia ter morrido também. Ou, quem sabe, o acidente não teria acontecido. Ficamos perplexos e começamos a pensar em todas essas possibilidades. Gostaríamos de parar o tempo e mudar a direção dos ventos e das coisas. Não dá. Ninguém escapa de um pensamento trivial e atroz:
– Não somos nada.

Bolha de sabão. Uma sensação terrível de finitude e de fragilidade toma conta da gente. Foi disso que falamos, Taline Oppitz e eu, com a senadora Ana Amélia Lemos, visivelmente chocada, e com a deputada Manuela d’Ávila, que, com muita sensibilidade, referiu-se à esposa de Eduardo. A morte fez o seu estrago. A vida continuará implacável. A campanha eleitoral parou por um dia, talvez dois, mas terá de continuar. A ex-senador Marina Silva assumirá a candidatura de Eduardo Campos, de quem era vice? Muito provavelmente. Eduardo passará a ser um poderoso cabo eleitoral sob o impacto da emoção.

Por um momento, no entanto, diferenças políticas esboroaram-se. Jornalistas e políticos, aproximados pelo labor cotidiano, olharam-se perdidos, arrepiados, buscando palavras para tentar expressar o que não tem expressão. A morte de um homem de 49 anos, no auge das suas ambições e determinações, produz uma sensação estranha. Eu, que só falei uma vez, por telefone, com Eduardo Campos, fiquei atônito.

– Por que ele?

As campanhas eleitorais aumentam as probabilidades desse tipo de acidente para candidatos, que se obrigam a voar de um lado para o outro, com qualquer tempo, em aviõezinhos quase de brinquedo. Eduardo Campos não mudará o Brasil. Não era favorito nas pesquisas. Tinha as suas contradições. Mas tinha também as suas qualidades. Uma delas era o desejo de fazer campanha com alegria. Acreditava na vida. Acabou.
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* Escritor. Prof. Universitário.
Fonte: Correio do Povo online, acesso 16/08/2014
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