terça-feira, 14 de outubro de 2014

A festa da insignificância

Mônica Monto
 
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A festa da insignificância, de Milan Kundera, é o tipo de leitura que nos faz acreditar que existe uma beleza imensa em envelhecer e que não se dar muita importância 
é o único caminho possível.


Um livro que cumpriu seu destino editorial: encabeçar a lista dos mais vendidos em diversos países – só na Itália e na França chegou a vender mais de 200 mil exemplares.

Eis a fórmula perfeita: um autor renomado (e vencedor de vários prêmios) que não publicava algo inédito há 14 anos + título sugestivo + número pequeno de páginas + capítulos curtos + capa dura e bonita = A festa da insignificância, de Milan Kundera.

Não é preciso ser lá muito letrado para perceber que o conteúdo do novo romance de Kundera na verdade é uma grande armação. Por armação, entenda: reunião de contos, crônicas e fragmentos poético-filosóficos amarrados por uma pseudo-história de quatro amigos que se reencontram em Paris na idade madura.

Enquanto percorria as 134 páginas do livro, que saiu aqui no Brasil pela editora Companhia das Letras, imaginei um agente literário ligando para Kundera e perguntando:

- O senhor tem algum material inédito?

Kundera pensa e diz:

- Tenho uns rabiscos anotados, uns rascunhos, umas crônicas, uns contos.

- Dá para transformar isso tudo num romance? Amarrar esse conteúdo numa história? Porque o senhor sabe, romance vende mais e os prêmios são melhores!

- Acho que dá, vou tentar. Estou com 85 anos e me sinto cansado, não prometo nada.

E, meses depois, nasce o “romance” A festa da insignificância.

No entanto, “a armação” não apaga a lucidez e o sarcasmo do autor. Devorei o livro numa sentada só. Há passagens extremamente interessantes (e bem humoradas) como esta:

- A inutilidade de ser brilhante, sim, eu entendo.

- Mais que inutilidade. Nocividade. Quando um sujeito brilhante tenta seduzir uma mulher, ela acha que tem que entrar em competição. Também se sente obrigada a brilhar. A não se entregar sem resistência. Ao passo que a insignificância a libera. A liberta das precauções. Não exige nenhuma presença de espírito. A torna despreocupada e, portanto, mais acessível. Mas continuemos. Com D’Ardelo, você não está diante de um insignificante, mas de um Narciso. E preste atenção no sentido exato dessa palavra: um Narciso não é um orgulhoso. O orgulhoso despreza os outros. Os subestima. O Narciso os superestima, porque observa nos olhos de cada um sua própria imagem e quer embelezá-la. Cuida, assim, gentilmente de todos os seus espelhos.

Com temáticas que passam pela vaidade, narcisismo, egocentrismo, poder, erotismo, amizade e política, o livro cativa porque vai direto ao ponto, sem firulas, e faz com que o leitor ria de si mesmo – e, consequentemente, da sua própria insignificância.

O amor, tema tão presente nas famosas obras de Kundera como A insustentável leveza do ser e Amores risíveis, não reina em seu novo romance.

A festa da insignificância é o tipo de leitura que nos faz acreditar que existe uma beleza imensa em envelhecer e que não se dar muita importância é o único caminho possível.
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*  Mônica Montone é escritora, autora dos livros Mulher de minutos, Sexo, champanhe e tchau e A louca do castelo. .

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