sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A ASCENSÃO DO PAI GLOBALIZADO

 Junko Kimura/Getty Images
Brad Pitt e Angelina Jolie em 2009 no Aeroporto de Narita, no Japão: casal tem seis filhos, entre os quais três são adotivos
 
Poucos anos atrás em Riga, na Letônia, notei algo que me surpreendeu: muitos homens empurrando carrinhos de bebê. Você poderia esperar ver isso na Suécia, mas não na ex-União Soviética.

Trata-se da sinalização de uma tendência: a ascensão do pai globalizado. Ao redor do mundo, em alguns países bastante improváveis, os homens estão assumindo um papel maior na criação dos filhos (partindo de uma base reduzida). Em vez do fim dos homens, essa é a sua reinvenção.

Os homens estão mudando porque seu poder sobre as mulheres está diminuindo. "A desigualdade entre os gêneros se encontra em uma tendência de queda nos últimos 60 anos na maioria das regiões do mundo", diz o novo relatório Como Era a Vida?, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As coisas melhoraram especialmente desde os anos 80.

As mulheres estão alcançando os homens na idade em que se casam, conseguem representação nos parlamentos, nos direitos de propriedade e no ensino. Até mesmo a Arábia Saudita, o último país onde apenas os homens podem votar, prometeu deixar as mulheres irem às urnas e também concorrer nas eleições locais do ano que vem. A favorita dos agentes de apostas para conseguir o emprego mais importante do mundo em 2016, Hillary Clinton, é avó. É verdade que o machismo global continua extremo em quase todas as medidas, exceto quando comparado com toda a história.

As funções dos gêneros sexuais provavelmente continuarão não muito definidas. Durante milênios a maioria dos homens viveu em vilarejos, tinha pouca escolaridade e era estimada por seus músculos. Mas, por volta de 2008, pela primeira vez, a maioria dos humanos estava vivendo em cidades. Nelas, encontram novas ideias e com frequência não têm avós ou tias por perto para cuidar dos seus filhos. Os duros trabalhos de chão de fábrica, tradicionalmente feitos pelos homens, estão agora sendo feitos por robôs, mesmo em países em desenvolvimento como a China. E o mundo está ficando mais instruído. Isso muda a vida da família porque a maioria dos estudos mostra que homens instruídos cuidam mais dos filhos. Cada novo pai com participação ativa torna-se, então, um modelo para seus filhos.

Acrescente a isso o efeito benevolente do imperialismo cultural americano. Os americanos pelo menos falam sobre os pais participativos. A série de TV "The Cosby Show" tinha muitos exemplos de pais zelosos; suas revistas de celebridades mostram Brad Pitt com um bebê amarrado no peito. Tudo isso tem efeitos globais. Na Venezuela, por exemplo, não é mais tabu para os pais serem fotografados segurando um filho no colo, diz Leonardo Yanez, diretor de programas da Bernard van Leer Foundation, instituição de caridade voltada para a paternidade.

Um indicador da disseminação da paternidade globalizada é a licença-paternidade. A revista "The Atlantic" publicou que há 40 anos, depois que a Suécia se tornou o primeiro país a adotá-la, qualquer sueco que ousasse tirar essa licença era tachado de "homem de veludo", por causa do tecido unissex bastante popular na década de 70. Em 1994, 40 dos 141 países dos quais a Organização Internacional do Trabalho possui dados, ofereciam alguma forma de licença-paternidade legal. No ano passado, 78 de 167 países faziam isso - incluindo bastiões não feministas como Brasil e Ruanda (mas não, é claro, os Estados Unidos). A Irlanda está considerando instituir a licença e até mesmo o Japão pretende ampliá-la.

Outras medidas também ajudam. Neste século, tornou-se normal no Chile os pais receberem presentes quando ganham um filho (ou filha) - algo que pode ajudá-los a se manter envolvidos na criação dos rebentos. Quando tantos países diferentes mudam simultaneamente da mesma maneira, você vê que a "cultura nacional" não é tão importante. Da "cultura chilena" à "cultura japonesa", todos os países costumavam deixar as crianças aos cuidados da mãe. Agora, tendências socioeconômicas e a cultura globalizada estão empurrando todos eles para a outra direção, em velocidades variadas.

É bem verdade que não acabaremos em uma paternidade igualitária no curto prazo. Vivo no círculo que é possivelmente o mais igualitário do ponto de vista dos gêneros, dentro da região do mundo que é a mais igualitária para os gêneros: as classes profissionais da Europa Ocidental. Mesmo assim, esse círculo não pratica a paternidade igualitária. Sua nova norma é que enquanto as mães desaceleram suas carreiras e fazem a maior parte do serviço de cuidar dos filhos, os pais efetivamente trabalham 90% do tempo, fingindo até mesmo trabalhar em período integral, enquanto dão uma escapadinha para ver as filhas jogarem futebol. Nenhum pai do meu círculo social almeja uma posição melhor no escritório porque isso mexeria com a hora de ir para a cama. Na linguagem da diretora-operacional do Facebook, Sheryl Sandberg, esses pais estão "se sujeitando" ao escritório.

Essa nova forma de desequilíbrio na vida profissional deverá se espalhar gradualmente entre os pais no mundo inteiro, devendo chegar à Arábia Saudita por volta de 2114.

A questão é como encorajar essas tendências. Precisamos fazer que os pais que participam ativamente da criação dos filhos se sintam másculos, afirma Michael Feigelson, diretor-executivo interino da Bernard van Leer Foundation. Não devemos apresentar a nova paternidade como uma derrota ou a dominação dos homens. Poucos homens querem, na frase imortal de Arnold Schwarzenegger, parecer "afeminados".

Um exemplo brilhante de como não fazer isso veio do líder do Partido Trabalhista da Nova Zelândia, David Cunliffe, que disse em julho em um simpósio da organização Women's Refuge: "Posso começar dizendo que sinto muito? Sinto muito por ser homem no momento, porque a violência familiar e sexual é perpetrada principalmente pelos homens contra as mulheres e as crianças".

É claro que ele perdeu a eleição. Os grupos que defendem os direitos das mulheres também não deveriam sair por aí dizendo aos homens que eles têm sido maus e precisam mudar. Em vez disso, a mensagem deveria ser transmitida, quase subconscientemente, por modelos positivos de comportamento masculino. Uma fotografia tirada por um "paparazzo" de um astro de Hollywood empurrando um carrinho de bebê pode ajudar a humanidade a avançar.
(Tradução de Mario Zamarian) 
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REPORTAGEM  Por Simon Kuper | Do Financial Times
Fonte: Valor Econômico online, 14/11/2014

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