sábado, 22 de novembro de 2014

HOMO SAPIENS 2.0

 Rogério Tuma*
 
 Não só os casais inférteis passam a sonhar com um bebê customizado. Não há um problema ético nisso?

Ter um filho parecido com os pais está ficando fora de moda. Agora a procura no banco de ovos para fertilização é por um ovo de doadores belos, inteligentes e saudáveis, mesmo que a fisionomia seja completamente diferente da dos pais que vão gerar o bebê.

Ao ser abordado por uma linda mulher que dizia: “Professor, vamos ter um filho, se ele tiver a minha beleza e a sua inteligência, poderá até dominar o mundo!”, Albert Einstein respondeu que jamais faria isso, pois não iria correr o risco de ter um filho com a feiura dele e a burrice da pretensa mãe. Hoje, as mulheres solteiras e os casais podem reduzir o risco de isso acontecer selecionando doadores do óvulo e do espermatozoide. A vasta maioria dos estudos comportamentais indica que, ao definir um parceiro ideal, as mulheres tendem instintivamente a selecionar um homem que tenha alguma semelhança com o progenitor delas, seja pela aparência, seja pelo modo de agir.  Na hora da seleção do ovo – o óvulo fecundado pelo espermatozoide –,  a escolha é muito diferente.

É de se imaginar que um casal que queira ter um filho nascido de fertilização in vitro escolha um ovo de pares com semelhança física ao casal, certo? Errado! Nos dias atuais, a escolha se faz não pela aparência física, mas por qualidades culturalmente importantes. Nesta ordem: inteligência, a saúde e, só então,  beleza.

Estudos feitos no fim dos anos 90 mostravam que a maioria dos casais escolhia ovos com características físicas semelhantes às suas, porém o estudo publicado na revista Women’s Health de outubro, coordenado por Homero Torres, indicou uma gradual mudança na preferência dos casais.

Atualmente, ser saudável é a qualidade mais importante para o doador. Em 2008, essa característica era importante para 50% dos casais e, em 2012, 72% dos pais escolheram ovos de doadores com saúde exemplar. A demanda pelo quesito inteligência subiu de 18%, em 2008, para 55%, em 2012, e habilidade atlética subiu de 1% para 18%. O único quesito cuja demanda caiu foi ter uma aparência ou um pool genético similar ao de quem recebe o ovo. Em 2009, essa era a solicitação de 40% dos casais, enquanto, em 2012, apenas 25% deles faziam questão de ter filhos fisicamente semelhantes. 

Em 1984, quando nasceu o primeiro bebê com essa técnica, a semelhança com os pais gestantes era prioritária. Naquela época, os casais inférteis poderiam ainda sofrer algum estigma por terem filhos fisicamente diferentes e existia maior resistência dos pais a declarar aos filhos a forma como foram gerados. A educação pública sobre o tema, e a importância que a genética ganhou com o conhecimento do nosso genoma, fez com que a opinião das pessoas mudasse sobre o assunto. Em 2009, apenas 21% dos casais manifestaram vontade de contar aos filhos que foram gerados por um ovo doado, enquanto, em 2012, 47% já haviam decidido contar aos filhos, ao passo que apenas 17% não contariam e 28% não haviam decidido ainda, na ocasião do implante do ovo no útero materno.

Escolher dá à mãe um certo controle e poder que pode melhorar a autoestima dos casais inférteis. Porém, quando a maioria não faz questão de ter um filho parecido, mas melhor, com características que poderão ajudá-lo a ter mais sucesso na empreitada da vida, não deixa de ser uma forma não natural de se aprimorar a raça, o que esquenta o debate sobre se a escolha é ética ou não.
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* Médico neurologista
Fonte: Carta Capital online, 22/11/2014

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