segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O NEGÓCIO DA EMOÇÕES

 
O físico americano Robert Knight não tem jeito de guru nem fala como guru, mas está à frente de estudos que tentam decifrar a mais enigmática ferramenta de apoio aos negócios: o cérebro humano. Conselheiro científico-chefe da Nielsen Neuro, líder mundial no desenvolvimento de conhecimento da neurociência aplicada ao marketing, Knight esteve no Brasil para a inauguração dos serviços do centro de pesquisa da Nielsen, que estuda os hábitos de consumo em mais de cem países e emprega mais de 35 mil funcionários.

"O que se pretende com um laboratório da Nielsen Neuro no Brasil é prover mais informação para as empresas no país, de modo que possam entender as reações do consumidor às ferramentas de marketing. O cérebro do brasileiro não é diferente de nenhum outro, mas há diferenças culturais nas respostas emocionais", diz Knight.

O respaldo do cientista americano para conduzir a tarefa de entender o cérebro do consumidor vai além do mundo dos negócios. Formado em física pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, mestre pela Northwestern University Medical School e doutor em estudos biológicos pelo Instituto Salk, Knight comanda, na Universidade da Califórnia, Berkeley, uma equipe de sete doutores de várias partes do mundo que tentam desenvolver dispositivos para ajudar pacientes com deficiência neurológica motora ou de fala. A ideia é que a partir de sinais do córtex cerebral sejam geradas interações passíveis de reprodução em palavras ou movimentos.

"Pesquisamos os sinais cerebrais associados ao comportamento. Não queremos controlar as pessoas", 
diz Robert Knight

O estudo é um pouco diferente do desenvolvido pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis no Centro Médico da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, no outro extremo dos Estados Unidos, que tenta integrar o cérebro humano a próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal.

"Estamos interessados em algumas áreas cerebrais, como o lobo frontal, que controla e organiza o comportamento. É uma pesquisa sobre as emoções. Estudamos pacientes com danos estruturais no lobo frontal, como traumas e derrames, que podem levar a vários transtornos neurológicos e psiquiátricos. A pesquisa é uma combinação de neuropsicologia clássica com eletrofisiologia. Também estudamos pessoas que sofrem de convulsões epiléticas de difícil controle por medicamentos, distúrbio que afeta 15% dos pacientes que sofrem da doença", afirma Knight.

Os cientistas da equipe de Knight tentam ainda desenvolver proficiência de fala em pessoas que tiveram derrame ou sofrem de síndrome do encarceramento - anomalia rara, em que os movimentos do corpo inteiro são paralisados, com exceção dos olhos, mas as faculdades mentais se mantêm perfeitas - com a reativação da parte do córtex cerebral onde se origina a palavra.

A neurociência aplicada ao marketing é apenas mais um desafio. Ao contrário da pesquisa tradicional de mercado, que busca entender o consumidor a partir de suas respostas, a neurociência tenta desvendar o caminho da tomada de decisão do comprador antes de o pensamento ser articulado. Por trás de toda compra ou recusa de consumo haveria um engajamento emocional, com a atenção e a ativação da memória provocadas por estímulos externos. Os testes de neurociência da Nielsen Neuro buscam medir as ondas cerebrais com técnicas de eletroencefalografia, por meio de sensores acoplados a uma touca colocada na cabeça do participante da pesquisa, e de monitoramento ocular, para medir o posicionamento dos olhos e os pontos de foco diante de um estímulo.

A técnica tem como ponto de partida uma descoberta científica recente, do israelense Daniel Kahneman, um teórico da finança comportamental, que combina a economia com a ciência cognitiva para explicar o comportamento aparentemente irracional da gestão do risco pelos seres humanos. Durante cinco anos, ele acompanhou a reação de três mil pessoas frente ao produto que desejavam. O resultado derrubou uma velho dogma em economia, de que as pessoas tomam a decisão de comprar ou não depois de pensar, num ato de profunda racionalidade, e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Economia, em 2002 (embora nunca tenha se formado na matéria).

A partir dessa ideia, os especialistas conseguiram apontar as regiões do cérebro humano que são sensibilizadas quando a pessoa cogita fazer uma compra, por meio de aparelhos de ressonância magnética. A maior parte dos consumidores processa emoções e não raciocínio lógico. "Comprar é uma decisão pouco racional. Nos negócios, sai-se melhor quem consegue provocar emoções positivas", afirma o psicólogo americano Dan Ariely, autor do livro "Previsivelmente Irracional".

A possibilidade de espiar o cérebro humano a partir da óptica dos negócios abre um leque aparentemente inesgotável para aplicações práticas. As agências de publicidade já podem medir a eficácia dos comerciais ou produzir peças com maior poder de convencimento. No design, a neurociência pode ajudar com a avaliação das ondas cerebrais no manuseio ou na visualização de um produto.

A partir da constatação de especialistas de que em lugares com maior concentração de oxigênio as pessoas tendem a gastar mais, porque isso ajuda a aumentar a sensação de bem-estar e euforia associada à compra por impulso, shoppings dos Estados Unidos decidiram elevar as doses do gás nas lojas por meio dos sistemas de ventilação. O efeito da oferta de um brinde "grátis" na embalagem de um produto, de acordo com uma executiva da Rede Pão de Açúcar, faz as vendas crescerem cerca de 30% porque as pessoas são atraídas pelo item sem fazer conta. É o mesmo que acontece com o cartão de crédito. Ao adiar o pagamento, o comprador parece esquecer que a decisão também tem um custo.
"Presumivelmente, o melhor marketing vai influenciar mais as pessoas. Então, o que se busca é como desenvolver o melhor trabalho de marketing. Não se quer fazer nada que influencie as pessoas de forma inconsciente", diz Knight. "Não se pode pegar um pequeno comercial e inserir nele imagens de poucos milissegundos, tão rápidas que o consumidor não se daria conta. Não sei no Brasil, mas nos Estados Unidos não se pode fazer uso dessa forma de marketing. Mas se pode avaliar a reação das pessoas assistindo a um comercial de 30 segundos, sem efeitos técnicos imperceptíveis, pegar os pontos mais importantes e juntá-los em um comercial menor e mais eficiente. Pesquisamos os sinais cerebrais associados ao comportamento humano. Não queremos controlar as pessoas.
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Reportagem Por  Paulo Vasconcellos
FONTE: Valor Econôminco online, 21/11/2014
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