quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A Igreja é mais do que apenas o Papa

 Thomas Reese*
 

"Tente fazer a seguinte experiência: Vá a uma comunidade católica em que nunca esteve e veja quanto tempo leva até que alguém puxe conversa com você. Depois, vá a uma igreja evangélica e faça o mesmo. Os evangélicos irão 
vencer em todas as vezes"

Qualquer um que lê esta coluna sabe que sou um grande fã do Papa Francisco. Nunca pensei que iria ver um papa assim em minha vida. A sua simplicidade, compaixão e compromisso para com os pobres são reflexos genuínos da mensagem evangélica de Jesus. O seu apoio no sentido da abertura, discussão e debate honesto na Igreja são marcas de sua confiança no Espírito. A sua ênfase na justiça, paz e cuidado com o meio ambiente mostra que o seu foco está direcionado a questões fundamentais do século XXI.

Dito isso, eu gostaria de que ele soubesse como falar sobre as mulheres de uma forma que fosse mais aceitável. Gostaria que ele pedisse pela renúncia dos bispos que perderam a credibilidade ao não seguirem as regras da Igreja no que diz respeito a lidar com padres abusadores.

Fico também preocupado quando as pessoas colocam todas as suas esperanças e sonhos de Igreja nos ombros do Papa Francisco. O papa não é a Igreja Católica. Ele tem um papel muito importante na Igreja, mas ela é muito maior do que ele. Ela inclui a todos nós.

Por exemplo, muitos jornalistas me perguntam sobre o “efeito Francisco”. Francisco está trazendo as pessoas de volta para a Igreja?

Curiosamente, ouvimos de pais e avós que seus filhos, que não vão à igreja, gostam do papa e dizem que ele mudou a atitude que tinham em relação à Igreja. Mas, até agora, não temos nenhuma pesquisa que mostre este efeito Francisco.

Parte da explicação é que o papa não é a Igreja Católica. Tip O’Neil [ex-presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos] disse que toda política é local. Eu diria que toda religião é local também.

Depois de uma entrevista à televisão, conversei com uma jovem produtora que me contou sua experiência. Ela foi criada católica, mas parou de ir à igreja durante a faculdade. Atualmente está envolvida na comunidade e foi incentivada pelo seu noivo e pelo papa Francisco a voltar a frequentar. Após ir à igreja por algumas vezes, ela se sentiu chamada a ir para o Sacramento da Reconciliação. Foi um desastre. O padre gritou com ela e disse que tudo de ruim que havia acontecido com ela era devido ao seu afastamento da Confissão nestes 10 anos.

Não haverá nenhum “efeito Francisco” se quando as pessoas voltam a frequentar a igreja elas não encontram alguém como Francisco em suas paróquias. Ir ao confessionário, hoje, é como jogar roleta russa. Não sabemos se iremos encontrar o Jesus compassivo ou um alguém furioso, julgador, que pensa ser o seu trabalho dizer às pessoas quão ruins elas são. Esta é uma forma de abuso sobre a qual a Igreja nada tem feito.

Nós não devemos nos limitar ao clero aqui. A equipe de funcionários paroquiais pode estar tentada ao clericalismo, e as comunidades paroquiais muitas vezes ignoram os novos paroquianos, que podem se sentir perdidos na multidão.

Tente fazer a seguinte experiência: Vá a uma comunidade católica em que nunca esteve e veja quanto tempo leva até que alguém puxe conversa com você. Depois, vá a uma igreja evangélica e faça o mesmo. Os evangélicos irão vencer em todas as vezes.

Os teóricos organizacionais lembram que reformar uma instituição exige mais do que apenas rearranjar o quadro organizativo. Exige também uma mudança cultural, ou aquilo que nós cristãos chamamos de conversão espiritual. Um papa pode apontar o caminho a percorrermos via palavras e exemplo, mas uma mudança permanente na Igreja só irá acontecer quando nós mudarmos.

Por exemplo, a Igreja Católica presumiu que o papel do clero é ser ativo e que o papel dos leigos é ser passivo. O Concílio Vaticano II tentou acabar com esta noção, mas padrões antigos morrem lentamente.

No Brasil, Francisco conduziu os bispos a um exame de consciência, que incluiu a pergunta: “Damos a liberdade aos leigos para irem discernindo, de acordo com o seu processo de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão?

Quando a conversa se volta à escassez de padres, eu às vezes brinco: “Talvez Deus saiba o que está fazendo. Talvez esta seja a única forma para se acabar com o clericalismo na Igreja”.

O lado bom da escassez sacerdotal é que os poucos padres (e irmãs) remanescentes não conseguem fazer tudo e se a Igreja quer sobreviver, os leigos devem vir à frente e se empoderarem, fazendo a Igreja prosperar. Um pastor que eu admirava costumava dizer: “Mais poder às pessoas; menos trabalho para o padre”.

Francisco nos deu esperanças e nos mostrou o caminho, mas cabe a nós entrarmos no jogo e fazer a diferença. Não há lugar na Igreja para observadores passivos; todos somos chamados a ser o corpo de Cristo ativo em nosso mundo atual. Isso significa participar ou apoiar os programas paroquiais, nas músicas litúrgicas, na hospitalidade, na educação continuada, no estudo bíblico, no ministério jovem e na justiça social, só para mencionar alguns.

O desejo do Papa Francisco por uma “Igreja pobre para os pobres” ou de que a Igreja seja um “hospital de campanha” precisa ser incorporado no nível paroquial, ou ele não irá acontecer.
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 * Thomas Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998), em artigo, publicado pela National Catholic Reporter, 16-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Fonte: IHU online, 21/01/2015
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