quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

"Eu não sou mais ateu".

  Entrevista com Michel Houellebecq


 Eu levo a sério a necessidade espiritual. Acho que é muito chato sociologizar as coisas. Nem todos os jovens estão 
à deriva, como estamos dispostos a dizer.

Desde a publicação de Submission (Submissão), uma nova Batalha de Hernani está sendo travada. Como de costume, os juízos de valor sobre a pessoa de Michel Houellebecq (foto) se misturam com os de alguns dos seus personagens. Mas, desta vez, as considerações sobre a literatura se misturam com um debate quente sobre o Islã e a islamofobia. Parte da crítica literária julga o livro medíocre ou grosseiro. Outros acham que é perturbador ou excelente. Na maioria dos casos, a questão do declínio do cristianismo, ainda central no romance, é evitada, até mesmo completamente esquivada. Para ver o coração líquido, nós enfrentamos durante três horas o nevoeiro de cigarro, laconismo e ambiguidade que envolve e esconde o estranho sr. Houellebecq, costurando o fio de uma verdadeira conversa. Cabe ao leitor julgar suas palavras. Ele tem agora a peça do dossiê que lhe faltava: o próprio autor. Seguem trechos de uma entrevista exclusiva a ser publicada nesta quinta-feira, 29 de janeiro, na revista La Vie.



Você está com raiva?
A declaração do Papa após os ataques contra o Charlie me deixou estarrecido. Quando ele diz "Se você falar mal da minha mãe, eu lhe dou um soco", ele legitima a resposta a uma agressão escrita com uma agressão física. Não estou plenamente de acordo, e eu ainda teria preferido que tivesse ficado em silêncio. A religião não deve limitar a liberdade de expressão. Se há limites, não são dessa ordem, mas relacionados à difamação, aos atentados à privacidade, etc. E eu sei do que estou falando por ter sido perseguido muitas vezes. Mesmo por La Carte et le Territoire, eu tive direito a um processo na Alemanha movido pela associação Dignitas, favorável à eutanásia – que o editor também ganhou. (...)

Faz muito tempo que você está fascinado pela religião...
Sim. Na literatura, em meu primeiro livro, Rester Vivant (1991), que é fortemente influenciado por Paulo e sua insolência. E depois havia Les Particules Élémentaires e meu eventual batismo em La Carte et le Territoire. Mas eu já falei sobre a minha tentativa de conversão no livro escrito com Bernard-Henri Lévy, Ennemis Publics. Durante a minha infância, na casa dos meus avós, não havia nada de religião. Sem verdadeira antipatia – ao contrário dos seus amigos comunistas, que eram mais antipadres. Para eles, o Reino e o progresso eram deste mundo. Mas a religião entrou na minha vida desde aos menos aos 13 anos de idade. Um amigo da minha classe tentou me converter na época. Eu guardei a Bíblia que ele me deu. Eu a tenho lido muito nos últimos tempos. (...) Eu tenho uma visão da religião mais próxima da magia. O milagre me impressiona! O meu momento religioso favorito de todo o cinema é o final de A Palavra (Ordet), o filme de Dreyer, que termina com um milagre. Isso é o que me abala. (...) Eu quero saber se o mundo tem um organizador e como ele é organizado. Fiz estudos científicos. Há uma verdadeira curiosidade em mim pela maneira como tudo funciona. De modo que hoje eu não me defino mais como ateu. Eu me tornei agnóstico, a palavra é mais correta. Um dos amigos de meu pai lhe havia dito que ele queria ser cremado, que ele não queria uma cerimônia religiosa. Meu pai lhe respondeu: "Eu te acho muito presunçoso". De certa forma, é o sentido da aposta de Pascal.

Seguindo o seu romance, no entanto, podemos concluir que o cristianismo está morrendo...
Não, acho que não. Foi apenas o ponto de vista de um personagem, o Rediger. E há um aspecto positivo dos católicos no romance: quando os jovens vêm para assistir à leitura de Péguy. O orador de "face aberta e fraterna" impressiona o narrador. Eu tive a oportunidade de ver o rosto desses jovens em uma Jornada Mundial da Juventude, a de Paris, para a qual eu fui por curiosidade. No geral, eu não estou convencido de que as perspectivas para o catolicismo sejam apenas negativas no meu livro. Hoje, a ideia de um cosmos organizado é ainda mais pertinente do que na época de Voltaire: o argumento do grande relojoeiro evidencia uma organização de todo o Universo. As descobertas científicas reforçam mais a impressão de uma organização geral do que o seu contrário... (...)

Por este romance, você foi acusado de islamofobia. Ora, podemos fazer-lhe a acusação contrária: você retoma a apologética tradicional do Islã ao dizer que o cristianismo acabou. (...) E, de qualquer maneira, você vê o Islã de forma mais favorável do que antes. O que fez você evoluir nessa visão?
A leitura do Alcorão e de vários livros, incluindo os de Bernard Lewis, e, mais recentemente, os de Gilles Kepel. E, além disso, muitas coisas atribuídas ao Islã são anteriores a ele, o que é inegável. O Islã não inventou o apedrejamento (uma das cenas mais conhecidas do Evangelho é a que diz "Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra"), nem a ablação, nem a escravidão. Eu li o Alcorão para escrever este romance. Eu tinha acabado de esmiuçá-lo antes. A questão também foi para avaliar seu grau de periculosidade. Saí bastante sossegado. Minha leitura resultou em conclusões relativamente otimistas, mesmo que na verdade eu não acho que os muçulmanos leem mais dessa maneira o Alcorão, assim como católicos não leem a Bíblia. Assim, o papel do clero é fundamental em ambos os casos. Precisamos de intérpretes, de um clero. Eu não posso imaginar a religião sem sacerdotes, sem intérpretes.

Você acredita que o problema do Islã, hoje, é que não tem intérprete competente?
Em primeiro lugar, que não tenha papa! O papa elimina os desvios. Se houvesse um papa muçulmano, a questão do jihadismo seria erradicada em 20 anos. Como castigo: quanto maior o direito de participar das orações, maior o direito de entrar nas mesquitas... Em suma, uma forma de excomunhão. Na ausência de uma tal organização, que não pode ser montada em dois anos, deve incentivar alguns imãs.

Os jovens que vão fazer a jihad fazem-no por motivos religiosos? Ou por que estamos nesta sociedade que você descreve, onde não há mais sentido? Você acredita que esses jovens têm um sentido?
Eu os levo a sério. Eu levo a sério a necessidade espiritual. Acho que é muito chato sociologizar as coisas. Nem todos os jovens estão à deriva, como estamos dispostos a dizer. Eles pertencem, certamente, à classe média. Devemos evitar vê-los apenas somente como desequilibrados. Seu desconforto é mais profundo do que isso. Em todo caso, a sedução do islamismo não tem nada a ver com a política, mas com a religião, ao contrário do que ouvimos. Para mim, esta é claramente uma variante da interpretação do Islã. O senso comum está do meu lado: tivemos ocasionalmente mártires na política, mas ainda é muito mais comum na religião...

O que você diria para aqueles que acusam você de agitar a bandeira vermelha da islamização?
Aqueles que gostariam que eu me sintisse responsável? Bem, não... Não, não sou. Observo um enfraquecimento intelectual em alguns dos meus interlocutores. Conceitos claramente distinguidos antes, como islamofobia e racismo, não o são mais.

A própria palavra islamofobia é polêmica. Como você interpreta isso?
O fato é que meu livro não é islamofóbico. São os jihadistas que procuram provocar a islamofobia no verdadeiro sentido da palavra, isto é, para provocar o medo. Todas as suas ações não têm outro propósito.

Você acredita na necessidade da religião como um sistema para ligar a pessoas?
Sim, a religião ajuda muito a formar sociedade. Como Auguste Comte, eu penso que a longo prazo, uma sociedade não pode subsistir sem religião. E, de fato, vemos hoje sinais de erosão de um sistema que surgiu há alguns séculos. Mas eu acredito no retorno do religioso. Embora eu não saiba te dizer por que isso acontece agora. Mas eu sinto isso. Em todas as religiões. No judaísmo, eu vejo que os jovens são mais crentes e praticantes que seus pais. Entre os católicos, há sinais – a Jornada Mundial da Juventude, a Manif pour tous [referência à ONG Manifestação para todos, que reúne grupos contrários ao casamento gay na França].
-------------
 * A entrevista é de Marie Chaudey e Jean-Pierre Denis e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 28-01-2015. A tradução é de André Langer.
Fonte: IHU online, 29/01/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário