domingo, 4 de janeiro de 2015

“O perfil jovem hoje pode estar desvinculado da idade”

 

COM A PALAVRA RONY RODRIGUES

Com trajetória errante e, acima de tudo, empreendedora, Rony Rodrigues, 35 anos, galgou espaço no mercado encontrando brechas que hoje permitem que ele trabalhe em casa, talvez de pijama, enquanto não está viajando pelo mundo. As reuniões da Box1824, empresa de pesquisa que criou em 2003, não ocorrem em amplas salas fechadas. Muitas vezes, os encontros são em bares ou ao redor da piscina. Depois de largar a faculdade de Turismo no primeiro ano, ele encontrou na Publicidade um ambiente desafiador. Retrato de uma geração a qual decidiu se dedicar, buscou nas lacunas do mercado uma oportunidade de negócio. A Box1824 especializou-se em traduzir as tendências de consumo, cultura e comportamento dos jovens com trabalhos que não são embasados em intuição ou análise de comportamento, mas em técnicas de pesquisa. Psicólogos, antropólogos e outros profissionais da empresa, ao identificarem perfis com capacidade de transformar, descobrem o que vai estourar ali na frente. Mas nem sempre as informações ficam restritas a grandes multinacionais como Unilever, PepsiCo, Itaú, FIAT e Nike, que chegam a investir alguns milhões por essas respostas. Vídeos como We All Want to be Young e All Work and All Play, de autoria da agência, tiveram visualizações que chegaram aos sete dígitos no YouTube, e um termo cunhado por eles para ser a tendência em 2014 foi a palavra mais buscada no Google na área de moda no ano: “normcore”, que significa uma “vontade de ser normal”. Embora prefira preencher a ficha dos hotéis com “empresário” no espaço da profissão (é sócio de cinco empresas), há pouco tempo Rodrigues definia-se como analista de tendências, um pesquisador das transformações dos jovens. Algo que faz com a propriedade de quem consegue mudar a forma como grandes corporações (cada vez mais interessadas nesse público) fazem negócios.

Qual o seu principal instrumento de trabalho? Pesquisa, intuição ou vivência?

Entrevistar pessoas. Quando temos um desafio, vamos para as ruas entrevistar pessoas, ver o que elas estão sentido, suas percepções, ver o que imaginam do futuro, as convidamos a projetar esse futuro. A partir daí, percebemos se o que falam repete um padrão que já existe ou altera o padrão. Quando altera, é um indicativo de tendência. Ali, a gente começa a perceber que determinado pensamento muda a cabeça das pessoas. Muita gente acha que pesquisar tendência é estar ligado no que está acontecendo, em cima da intuição. Mas é pesquisa pura. Entendemos que o ser humano é a peça fundamental.

O Brasil é um país bom para buscar tendências mundiais? A nossa grande presença na internet ajuda nisso?

O Brasil é um país superjovem. Além de ser jovem em história, tem uma onda numerosa em termos de juventude. A gente percebe que em muitas coisas o Brasil não é um país conservador. Às vezes, se vê na Europa, em determinadas cidades, jovens muito mais conservadores, principalmente quando o assunto é sexo e consumo. Somos ainda um país bem aspiracional em termos de tendência.

No que veremos esse jovem brasileiro de hoje se transformar?

Há um movimento muito grande de politização. Quinze ou 20 anos atrás, ninguém diria que o jovem combinava com política ou gostava disso ou que esse era um assunto legal. No último um ano e meio, vimos um movimento sobre o jovem começando a se conectar com a política e, mais do que isso, esse tema se tornando um assunto legal para ele. A gente viu os jovens indo para a rua, fazendo política na rede, fora dela e, muitas vezes, de uma maneira não institucional, sem se vincular a partidos, à igreja, ou a outras organizações. É muito interessante ver como eles podem hackear o sistema político sem ser pelas vias comuns.

Você pode comparar as previsões das pesquisas, os comportamentos durante as eleições e até mesmo o resultado nas urnas? Eles conversam entre si?

A gente fez essa pesquisa em 2011 e já indicávamos que os jovens estavam prontos para ir às ruas. Identificamos que eles tinham alto poder de mobilização e que faziam microrrevoluções. Eles já participavam de pequenos grupos de atuação política e, em algum momento, por algum motivo, esses grupos iam se unir quando houvesse um assunto em comum. E os R$ 0,20 foram perfeitos, porque isso passa por todo mundo. Outro ponto que a gente trouxe nessa pesquisa foi a dualidade. Jovens que se conectavam muito com a política institucional tinham mais inclinação a partidos de esquerda, e jovens que trabalham muito fora da política institucional tinham muito mais ligação a partidos de direita. E foi o que a gente viu, uma turma bem dividida.

Mas esse jovem está mais politizado ou só participou do cenário da grande onda?
Ele está mais politizado. A gente fez uma pesquisa chamada Sonho Brasileiro da Política, e ela mostra que 24% dos jovens se conectaram mais com política depois das manifestações, o que é um número grande. São 24% além dos que já se interessavam por isso.

E de que forma esses jovens impactaram o resultado das urnas?

Se falou muito sobre política, o jovem usou muito a rede para falar disso, para entender, debater. Então, acho que não existiu uma reforma ainda porque não teve tempo de esse jovem se transformar em um militante, poder concorrer para mudar alguma coisa. A gente viu as pessoas começando a falar muito mais de política e esse é o caminho. Tenho certeza de que as gerações que estão chegando estarão mais preparadas.

Corrupção, golpes baixos nas eleições, apego dos políticos aos seus salários. Esse noticiário negativo espanta ou atrai o jovem? A reação é “vou me meter nisso pra ajudar a consertar” ou “vou largar de mão e tocar a minha vida porque estes adultos não têm jeito mesmo”?

Outra coisa que mudou muito é que os jovens estão com vontade de entrar na gestão pública, no setor público. Se a gente fizesse essa pergunta há 15 anos, ninguém ia querer entrar nisso. Eu estive em um grupo da Fundação Estudar, eram seis jovens finalistas, e quatro deles iam trabalhar com gestão pública. Isso mostra que eles querem entrar para intervir. A gente vê todo o movimento hacker, de transparência, o Vote Na Web, MeuRio, Minha Sampa, movimentos que já dialogam com a política institucional e tentam intervir de alguma maneira.

Em junho de 2013, os gaúchos foram importantes no início dos movimentos. Os jovens gaúchos têm algo de diferente?

O jovem gaúcho lê bastante, é super bem informado e, uma das coisas mais interessantes, é empreendedor. Há seis meses, o governo da Suécia convidou seis empresas brasileiras inovadoras para falar sobre empreendedorismo e quatro eram gaúchas, a Box1824 entre elas. O Estado é um polo empreendedor. Isso é uma das coisas mais interessantes dos gaúchos, essa criatividade e a vontade de serem donos do próprio negócio. É uma característica do jovem de hoje, hackear, entender um processo e refazê-lo de outra maneira.

Se fala que a geração adolescente hoje vive um deslumbramento com a tecnologia. As crianças que estão nascendo agora vão se adaptar melhor a isso, quer dizer, vão entender essa revolução como algo natural, sem tanta “dependência”?

Esses jovens nativos digitais nasceram pós-1989. Começaram a ler e escrever ao mesmo tempo que tiveram contato com a internet. Eles têm, então, uma relação muito mais natural com com os meios digitais, com a tecnologia. A gente enxerga eles como viciados ou muito mais dependentes, mas eles não se sentem assim, já nasceram adaptados a essa presença. Têm a questão da privacidade totalmente alterada, não é a mesma que a nossa. Esse crescimento em ondas exponenciais, as pessoas terem grandes audiências de um minuto para o outro, a própria linguagem. É o jovem que trafega de forma muito mais fácil nesse mundo.

E essa maneira de ver o mundo impacta na vida profissional. Como uma grande empresa, construída em outra era, deve se adaptar a isso?
Esse jovem de hoje é movido muito pelo gamefication. Ele entrou dentro da lógica da internet, do videogame. Então, ele precisa de feedback constante, ter acesso a tecnologias de ponta, desafios permanentes. Uma das questões que as empresas estão apanhando muito é na retenção desse jovem. E não vale só para empresas não digitais. Google e Facebook estão tendo de criar coisas novas para mantê-los, pois são muito mais flexíveis a mudanças. Eles querem passar de fase. Então, é preciso trazer uma promessa e uma condição muito legal para se sentirem desafiados. A relação de emprego, que está virando de trabalho, vai ser muito mais a de propor um projeto. Apresentar algo com um objetivo, com início, meio e fim, faz com que esse jovem se sinta fisgado.

Como vocês classificam as pessoas analisadas?
A gente tem os alfas, que têm um comportamento atípico e disruptivo. Eles influenciam os betas, mas não necessariamente influenciam o todo, o mainstream. Esse grupo é de 1% a 3%. Logo depois temos os betas, que são jovens que olham para o alfa, olham para a mídia editorial e traduzem o comportamento para o maisntream. Eles representam de 10% a 15%. E depois temos o mainstream. Essa cadeia de influência foi desenhada na década de 1930, nos Estados Unidos, que tinham o trendsetter (criador de tendências), o early adopter (o cliente primário, um dos primeiros a adotar um novo produto) e o mainstream (popular, uma corrente dominante). Para conversar com as massas é preciso atingir o early adopter. Nós o chamamos de beta. A diferença da Box1824 foi dizer que isso é dividido por comportamento. Você pode ser totalmente alfa quando o assunto é política e totalmente beta quando o assunto for xampu e mainstream quando o assunto for carro. A gente mostrou que as pessoas são definidas de acordo com cada segmento. Então, para anteceder o que vai acontecer, pesquisamos com os betas.

De que forma os pesquisadores da academia reagem às pesquisas de vocês? Há críticas?
Não. Hoje, a gente tem verba de pesquisa qualitativa que ninguém tem. É difícil uma universidade ter o mesmo volume de verba para pesquisa que a Box1824. Além de termos muitas ferramentas, temos muitos profissionais que são da academia, e a maneira como a gente pesquisa não se difere em nada de como a academia pesquisa. É exatamente igual, a gente só está totalmente voltado para o mercado.

O que vocês estão prevendo para 2015?
O nosso próximo vídeo é sobre o excesso de consumo e como isso vai ser visto como algo extremamente prejudicial. Como o colesterol foi, nos anos 80, um grande indicativo do que fazia mal à saúde do ser humano. Vamos mostrar como cada vez mais o consumo vai impactar na vida das pessoas. Vão existir mecanismos para mostrar o quanto cada um está prejudicando o mundo a partir da produção do lixo, do que gasta, do quanto consume de energia, desperdiça água. Esses indicativos vão existir e mostrarão o quão ruim é o consumismo, não o consumo em si, mas o excesso, e como ele vai prejudicar o mundo.

O debate sobre aquecimento global vai começar para o grande público?
Se a gente for fazer um paralelo, a imagem de uma pessoa comendo muito já foi considerada código de luxo. Hoje em dia, o mercado, por toda a questão do bem-estar, não quer se associar ao glutonismo. Acho que é a mesma coisa que teremos com o consumismo. Essa ideia de uma mulher com closet lotado de roupa, cheio de sapatos, que no Sex and The City (séria americana de TV), até pouco tempo, era algo que muitas mulheres sonhariam em ter, acho que nos próximos anos será considerado uma imagem totalmente horrível.

E a educação? As escolas também precisam mudar para atender a essa geração?
A gente vê um crescimento absurdo da educação informal. Há muitos cursos e escolas que trazem excelência na qualidade, mas nem sempre reconhecidos. Outra coisa é o aprendizado tangencial. São várias empresas de games e universidades investindo pesado nisso: você vai jogar um game aprendendo história, matemática, de uma maneira leve e tudo a ver com esse jovem de hoje. Outra é a descentralização do estudo, o ensino a distância que possibilita muito mais gente aprender por um custo menor.

A sua vida acadêmica breve e incompleta autoriza outros jovens a buscarem sucesso no mercado da mesma forma?
Eu não incentivo as pessoas a serem exatamente da mesma maneira porque cada um tem a sua história, a forma como constrói a sua vida a partir das oportunidades que encontra. Mas eu, de fato, repeti o colégio três vezes, depois fiz supletivo, entrei na faculdade de Turismo, fiz um semestre, larguei. Fui morar nos Estados Unidos, trabalhei de pedreiro, engraxate, em posto de combustíveis. Juntei um dinheiro, fui morar na Espanha, fiz o Caminho de Santiago e lá uma pessoa me falou que eu deveria ser publicitário. Voltei a Porto Alegre e ouvi no rádio o anúncio de uma vaga para estágio em uma agência de publicidade. Fui selecionado e, em seis meses, ganhei um leão em Cannes. Eu tive sorte, se for ver esse percurso. Mas sempre fui muito predestinado, corri atrás dos sonhos, tentei arranjar um jeito de fazer, fui um jovem hacker. Tentei entender como funcionava um sistema e como poderia ser atuante. Eu trabalhei muito, me esforcei muito, mas tive muita sorte de encontrar as pessoas certas que me deram oportunidade.

Vocês trabalham com previsões de consumo, principalmente. Dois anos antes das manifestações, vocês previram essa geração interessada em política, em senso de comunidade. Em 2014, o termo “normcore” foi o mais buscado no google na área de moda, uma expressão que vocês já tinham apontado em uma pesquisa. Esse é o tipo de retorno que vocês esperam?
Nesse caso, foi engraçado. O Hans Ulrich, um dos maiores curadores de arte do mundo, nos convidou para desenhar, com a K-Hole, a grande tendência de 2014. Isso foi em outubro de 2013. A gente se juntou com esse coletivo de Nova York e criou o conceito de normcore. Identificamos que as pessoas ficariam cansadas de estar na última moda, de ter a melhor selfie, de ter essa pressão de sempre ser o primeiro, e cada vez mais iam sair dessa corrida dos ratos e viver da forma mais normal possível. Então, isso é o normcore. Bem na semana de moda, muita gente começou a falar disso, os desfiles estavam sem tantas roupas chamativas, a moda abraçou muito a tendência, saiu no New York Times, na New Yorker, a Michele Obama falou da tendência, Karl Lagerfeld falou, então, deu um grande buzz nos Estados Unidos. O conceito ficou muito vinculado à moda, mas não era o que queríamos, queríamos provar também que as pessoas não iam ter essa necessidade de ter o mais especial do último momento.

Na pesquisa batizada de “Youth Mode”, além do “normcore”, o ser normal, vocês também falavam da morte da idade.

A gente perguntou para diversas pessoas de idades diferentes o que é ser jovem e criamos vários conceitos sobre isso. A partir daí, fomos perguntar para gente das mesmas idades sobre eles. E aí vemos que alguém de 25 anos pode ser mais velho do que alguém de 45. Pelos conceitos que elas mesmas ditaram e que definem o que é ser jovem. A gente chegou à conclusão de que não existe mais a idade como se imagina. O perfil jovem hoje pode estar desvinculado da idade. Isso pode ser visto no consumo. A gente vê mulheres de 40 anos consumindo moda para meninas de 18 anos, e meninas de 18 anos consumindo determinados produtos cosméticos para mulheres de 40 anos. Não existe mais essa definição tão clara.

Essa percepção mudou as pesquisas de vocês?

Quando trabalhamos com betas, não interessa tanto a idade, mas o comportamento dessa pessoa. Se essa é uma pessoa que tem um comportamento jovem, um comportamento beta, ela é o nosso material de estudo independentemente da classe social e da idade. Outro movimento muito forte que vimos foi o “unclassed”. Antigamente, imaginava-se que toda tendência vinha de uma classe alta para uma classe baixa. E isso não é mais verdade. Vemos movimentos grandes que começam no mainstream, na classe C, em outras classes e vão subindo até o topo da pirâmide socioeconômica. O próprio sertanejo, que era de classe C, hoje é totalmente vinculado à classe A. Tem o funk carioca. Vários que são de baixo para cima.

As próprias relações pessoais tendem a mudar também.

Estamos vivendo uma fase muito interessante. Outra das grandes discussões que estão por vir é a do espaço público. Para que ter carro se haverá um “Google Car” que te garante o ir e vir? Para que serve a garagem se todo mundo tiver smart cars? Tem o Airbnb, por exemplo, que são as pessoas ampliando o uso de seus espaços internos. Ele já é quase maior que a rede de hotéis Hilton. A gente começa a ver o quanto é interessante essa questão do compartilhamento. E como isso vai impactar a economia. É uma tendência que já está acontecendo. O senso de propriedade vai mudar muito.
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bruno.felin@zerohora.com.br
Reportagem por BRUNO FELIN
Fonte: ZH online, 04/01/2015

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