quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

‘Um incentivo à islamofobia’, diz Tariq Ali sobre ataque em Paris


 
Entrevista com o escritor paquistanês Tariq Ali
Foto: Pedro Kirilos
Escritor paquistanês diz que terroristas prejudicam os muçulmanos

RIO — O escritor paquistanês Tariq Ali, autor de “Confronto de fundamentalismos: cruzadas, jihads e modernidade” e outros livros sobre política e conflitos religiosos, acredita que o ataque ao jornal “Charlie Hebdo” pode agravar a onda de islamofobia na Europa. Em entrevista ao GLOBO por telefone, de Londres, onde vive, Ali critica líderes islâmicos que se preocupam mais com cartuns do que com “problemas reais” e diz temer um avanço da extrema-direita: “Os responsáveis por esse atentado, que dizem falar em nome do Islã, na verdade prejudicam os muçulmanos.”

Quais foram suas primeiras reações ao atentado contra o “Charlie Hebdo"?
Sou um grande admirador de (Georges) Wolinski, um talento brilhante. Por que atacaram esses cartunistas? Embora os responsáveis pelo atentado não tenham sido identificados, as informações apontam para extremistas islâmicos. O jornal vinha sendo muito criticado por parte da comunidade islâmica, principalmente desde 2011, quando republicou os cartuns dinamarqueses que insultavam o profeta Maomé. Mas o “Charlie Hebdo" sempre foi crítico em relação a cristãos, judeus, muçulmanos... E mesmo que se considere excessiva a abordagem que o jornal fazia do Islã, é óbvio que nada justifica o atentado.

Na época da polêmica sobre os cartuns dinamarqueses, você criticou líderes islâmicos, que estariam mais preocupados com desenhos de Maomé do que com o terrorismo ou a violência contra muçulmanos. E hoje?
O que eu disse, e mantenho agora, é que a reação de líderes islâmicos contra os cartuns é excessiva, porque ignora os problemas reais. As invasões no Oriente Médio, a situação dos muçulmanos na Palestina, na Síria, no Iêmen, no Líbano parecem preocupar menos certos líderes islâmicos do que desenhos de Maomé. Mas é preciso dizer que hoje, tanto na França quanto no resto da Europa, líderes muçulmanos estão se solidarizando com as vítimas do atentado e denunciando o fundamentalismo. Só que o problema é mais amplo. Toda vez que uma atrocidade dessas é cometida, temos demonstrações de solidariedade. Mas os extremistas não operam por essas regras.

Você acredita que esse atentado pode incentivar a islamofobia na Europa?
Sem dúvida. Já há um grande ambiente de islamofobia na Europa, o que ficou claro com as manifestações recentes em Berlim contra imigrantes e a “islamização” do país. Na França há uma corrente forte anti-Islã, representada não só por políticos de extrema-direita, mas também por intelectuais. O novo romance de Michel Houellebecq, “Submissão", que está sendo muito debatido, imagina um presidente islâmico na França em 2020 como um cenário distópico. Claro que há pessoas tentando mudar esse ambiente, como Edwy Plenel, que publicou ano passado na França o livro “Para os muçulmanos”, criticando o ódio ao Islã. Mas agora, muita gente vai pensar que a extrema-direita está certa, que é preciso combater os imigrantes muçulmanos. Os responsáveis por esse atentado, que dizem falar em nome do Islã, na verdade prejudicam os muçulmanos.
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Reportagem 
por Guilherme Freitas
Fonte: Jornal O GLOBO online, 08/01/2015

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