sexta-feira, 26 de junho de 2015

VIDA APÓS A MORTE

Marcos Piangers*
 

As pessoas se perguntam se existe vida após a morte. Mas é claro que existe vida após a morte. Depois que você morre, alguém pega um ônibus do outro lado da cidade. Um senhor de idade compra um jornal. Três amigos bebem no Centro. Um bebê que vai ser famoso nasce do outro lado do mundo. Um avião decola com uma senhora apreensiva. Uma criança brinca com areia na praia. Um cachorro passeia feliz. Existe vida depois da morte. Só não pra quem morre. Pra quem morre, acabou.
Eu gostaria de estar errado, é claro. Ser ateu tem desvantagens devastadoras: sei que não represento nada pro mundo. Sei que a minha morte não fará diferença alguma pra história do planeta. Sei que em 150 anos todas as pessoas que eu mais amo estarão mortas. Sei que ninguém vai se lembrar de mim. Não terei entendido a infinitude do espaço sideral. Jamais saberei como o mundo vai ser daqui a mil anos. Essa curiosidade me mata. Entendo quem se recusa a acreditar nisso.

Adoraria estar errado. Fechando os olhos aqui, os abriria lá do outro lado. Diria: “Ufa! Que bom! Eu estava errado!”. Ateus entrariam no céu, chocados. Árabes, espíritas, budistas, evangélicos, todos certos. E, consequentemente, todos com a súbita consciência de que estavam errados também. Depois de morto eu viveria pra sempre, acompanhando do céu as minhas filhas crescerem. Adoraria esperá-las nas nuvens, recebê-las na entrada do Paraíso, viver eternamente abraçado a elas. Adoraria sentar novamente ao lado do meu vô. Conversar com grandes homens que já se foram. É uma fantasia tão agradável, que eu entendo por que faz tanto sucesso.

É claro que existe vida após a morte. Pessoas morrem todos os dias e ainda assim o sol nasce no dia seguinte. Um cachorro se espreguiça. Um homem sai pra trabalhar de moto. Uma menina de 11 anos vai pra escola a pé. A vida que existe depois da morte é essa que você está vivendo agora. Faça bom proveito.
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* Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 26/06/2015
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