terça-feira, 21 de julho de 2015

Um livro sobre os intelectuais conformistas

 Juremir Machado da Silva*
 
O sociólogo francês Dominique Wolton é conhecido por sua espontaneidade. Beija, abraça, aperta as bochechas das pessoas e começa conversas telefônicas com amigos gritando “salaud, conard”. Canalha, imbecil, cretino! Wolton costuma dizer: “Ninguém é mais covarde do que os intelectuais”. Exagero? Há intelectuais corajosos. Mas essa é a marca dos intelectuais?

Vai sair no Brasil um livro, de Michel Maffesoli e sua mulher, Hélène Strohl, sobre esse delicado tema: O conformismo dos intelectuais (Sulina; tradução de Tânia do Valle Tschiedel). Há coisas que só existem no Brasil? O livro mostra que a França pode ser muita parecida conosco ou pior: privilégios, mesmos vícios, mesmas disputas de poder. Vale conferir um fragmento.

Strohl: “O alto funcionário, cedo ou tarde, salta uma etapa e tenta a eleição, apesar de que aí também a administração seja facilmente manobrável, e o funcionário que quer investir seu tempo em sua carreira eleitoral não é demitido; ele pode utilizar suas férias pagas, sua conta poupança e até se colocar um ou dois meses em disponibilidade, se tiver recursos monetários pessoais ou algum outro sustento. Se perder, ele se reintegra imediatamente ao seu posto, que estava bem guardado para ele. Se for eleito, ele se beneficiará da diminuição de carga horária. Exemplo: um vice-presidente de conselho regional e, ao mesmo tempo, prefeito de uma cidadezinha pode, assim, trabalhar em tempo parcial; um presidente de conselho geral se beneficiará de uma diminuição equivalente a 90% do tempo”. Hummm!

Uma barbadinha? Qual a consequência? “Isso significa que esses funcionários que trabalham 50% e mesmo 10% serão pagos com 100%, vantagens incluídas, e que, certamente, se houver uma reviravolta e eles perderem em uma próxima ocasião, terão adquirido progressões e direitos equivalentes aos daqueles que trabalharam em tempo integral. Somente os professores de universidade têm um status mais vantajoso em relação à carreira política porque eles podem acumular, qualquer que seja seu mandato, inclusive nacional, sua função eletiva e seu emprego, exercer este também, ou não, segundo suas obrigações, e acumular as remunerações e vantagens das duas carreiras. Georges Frèche foi professor de direito toda sua vida e Raymond Barre ‘ensinou’ economia mesmo quando era primeiro-ministro!” Hummm!

Como reage a população, o dito cidadão comum ou contribuinte, pagador de impostos, a essa situação “especial”? “Esses privilégios pouco conhecidos colaboram com o espírito antifuncionário público e antipolítico, pois, imaginemos as dificuldades de um dono de garagem, de um médico particular, mesmo de um advogado (que abandonará seu escritório), de um tabelião, de uma secretária, de uma fonoaudióloga ou de qualquer assalariado privado ao interromper assim sua carreira para retomá-la três meses mais tarde ou cinco anos depois?” Hummmm!

Esse livro, em tom de panfleto, incomoda mais do que quatro elefantes na França dos socialistas.

Maffesoli questiona do politicamente correto de conveniência ao compadrismo.

Pensar é comprar briga. Intelectual que não polemiza descumpre o seu papel.

Especialmente quando se burocratiza e passa a gostar de fazer o papel de feitor do poder.

Ou, como dizia Antônio Gramsci, “funcionário da superestrutura”.
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* Sociólogo. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 21/07/2015
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