quarta-feira, 5 de agosto de 2015

“Se não fosse gay, provavelmente não seria CEO do banco.” Um português no topo da Europa


Nuno Botelho

Com uma carreira meteórica, António Simões, português de 39 anos, prepara-se para deixar a presidência do HSBC britânico e assumir a liderança executiva do mesmo banco a nível europeu. Esta é a história do português “baixinho e careca”, como se apresenta, que é porta-voz da diversidade. 
António é o primeiro CEO assumidamente gay 
na conservadora city londrina


António Simões é muitas vezes descrito nas páginas financeiras da imprensa inglesa como um “big shot” do mundo da banca. Depois de passagens fulgurantes pela McKinsey e pela Goldman Sachs, entrou para a administração do HSBC - o segundo maior grupo bancário do mundo, em termos de ativos - em 2007.

Em 2012, com apenas 37 anos, Simões foi nomeado presidente do HSBC UK, a divisão britânica deste banco, responsável por quase 50 mil empregados e 25% das receitas do grupo. Apesar de ter passado quase metade da vida no estrangeiro, António Simões, de 39 anos, continua a afirmar-se como “claramente português”.

“Não tenho qualquer crise de identidade.Tenho imenso orgulho em ser português", diz ele.

Nos últimos anos, este lisboeta apaixonado pela praia de Aljezur e “obcecado” por Ilha e Lamu, os seus dois labradores - e que costuma apresentar-se de forma descomplexada como “um português gay, baixinho e careca” -, tornou-se igualmente num campeão da diversidade, premiado pelos European Diversity Awards e distinguido como o “mais inspirador gay executivo de topo” pela OUTStanding in Business/“Financial Times”.

António Pedro Simões recebeu o Expresso na sede mundial do HSBC, um arranha-céus de 42 andares no centro financeiro de Canary Wharf, em Londres. A entrevista foi publicada em janeiro na revista E e é agora republicada no dia em que se soube que vai presidir ao HSBC Europa, o maior banco do continente e um dos maiores do mundo.

Acompanha de perto o que se passa em Portugal?
Do ponto de vista pessoal, sim, acompanho imenso. Continuo a ter a minha família em Portugal - os meus pais, a minha irmã, etc. - e muitos amigos, obviamente. Continuo de alguma forma relacionado com Portugal e tento contribuir e manter essa ligação muito profunda. Tenho muito orgulho em ser português.

Isso traduz-se em quê?
Vivi em Portugal até aos meus 22 anos. Quase outro tanto no estrangeiro, é certo, mas é diferente. Se tivesse saído de Portugal aos 10, 14 anos ou mesmo aos 17 ou 18, teria sido diferente. Fiz a universidade em Portugal. Toda a base da minha formação - não só académica mas, especialmente, a minha formação pessoal - foi feita em Portugal.

Sinto-me claramente português. Não tenho qualquer crise de identidade. Não sinto que sou um cidadão do mundo. Sou um português que já viveu em muitas cidades - em Nova Iorque, em Milão, em Hong Kong, etc. - e agora sou um português que vive em Londres. Acho que muitas das minhas perspetivas sobre o mundo e sobre a vida em geral são influenciadas pela forma como fui educado em Portugal e por valores que de alguma forma são portugueses: a humildade, alguma simplicidade de vida, uma espécie de understatement que tem muito que ver com os portugueses.
Nuno Botelho
Vê o facto de ser português como uma vantagem?
Há alguma coisa no carácter português que nos ajuda a adaptar facilmente e a ter êxito no estrangeiro? Talvez. Voltamos à questão da humildade: acho que os portugueses adaptam-se bem porque são bastante humildes.

Essa humildade não resvala, muitas vezes, para o servilismo e para a subserviência?
Por vezes, sim. É um problema de autoconfiança. Disse há pouco que tenho muito orgulho em ser português, mas também tenho consciência de que se calhar não sou um português típico nesse aspeto. É importante ter ambição e autoconfiança, que são coisas que fazem muita falta em Portugal.

Por razões óbvias. Não foram só algumas décadas, mas sim séculos de pouco desenvolvimento económico e muito pouca autoconfiança. Além dessa adaptabilidade e humildade, muitos portugueses que vivem no estrangeiro têm uma ética de trabalho que continua a fazer a diferença.

Por essa razão muitos deles ocupam posições, no estrangeiro, que se calhar não seriam de esperar dada a dimensão do país e o nosso número de habitantes.

O maior banco britânico, o Lloyds, também tem um presidente português. Fala muito com António Horta Osório?
Sim. Nós conhecemo-nos bastante bem.

Existe alguma espécie de fraternidade lusitana entre os dois?
Uma ligação especial entre os dois CEO portugueses que presidem, curiosamente, a dois dos maiores bancos do Reino Unido? Não necessariamente. Nós vemo-nos bastante, por um lado por causa do Conselho da Diáspora Portuguesa e todo o tipo de iniciativas relacionadas com Portugal. Por outro lado, vejo-o em alguns eventos ligados à banca em Londres, tal como vejo outros presidentes de outros bancos.

O que acha dele?
Damo-nos bastante bem. Na minha carreira anterior tivemos várias interações. Respeito-o muito como banqueiro e como pessoa. Ele tem, de facto, imenso mérito no que fez.
Não é fácil ser banqueiro hoje em dia na Inglaterra. O nível de confiança na indústria financeira anda muito por baixo. Os banqueiros são mal vistos. Segundo uma sondagem recente da YouGov-Cambridge, só 17% dos britânicos pensam que um presidente de um banco diz a verdade. Ou seja, 83% das pessoas neste país acreditam que tudo o que eu disse até agora é mentira.

Horta Osório afirmou mais ou menos o mesmo há algumas semanas: “O comum dos mortais acha que o banqueiro rouba”, disse ele.
É verdade. O mesmo estudo revelou que o nível de confiança no sector bancário [britânico] é muito inferior ao de outros países. Em Portugal, provavelmente, também anda muito por baixo. E se pensar que há 20, 30 ou 40 anos este nível de confiança no sector financeiro e nos bancários em particular era tão alto como nos médicos! Agora é tão baixo que está ao mesmo nível de políticos. Ou jornalistas [risos]. Passámos claramente a competir com os políticos na luta por esse último lugar.
Mas eu continuo a ter muito orgulho em ser banqueiro. Porque apesar de tudo penso que o sistema bancário pode - ou deve - ser uma força de desenvolvimento económico. Mas, para isso, os próprios banqueiros têm de provar que tal é verdade. Temos de voltar, de forma objetiva, a um ponto em que a sociedade aceita o valor da banca como força de desenvolvimento.

Mas não foram os próprios bancos os culpados desta desconfiança, deste descrédito dos banqueiros?
Obviamente que a culpa de todas estas estatísticas é completamente dos bancos, não há nenhuma outra forma de pensar sobre isto. A maior parte das 43 mil pessoas que trabalham para mim aqui no Reino Unido já não tem orgulho em ser bancário. Esse é um problema, porque 99,99% das pessoas que trabalham para nós nunca estiveram envolvidas no escândalo dos PPI [seguros de créditos] ou outros problemas [da banca britânica]. Não é culpa delas. Estamos a falar de pessoas normais que estão no pub às seis ou sete da noite e têm vergonha de dizer que trabalham para o banco. Preferem dizer que trabalham em serviços financeiros, IT, etc.

Como pretende inverter essa situação?
Os bancos têm de voltar a concentrar-se na sua função essencial. Ou seja, receber depósitos, dar empréstimos, facilitar pagamentos e através disso ajudar as economias a desenvolver-se, ajudar as empresas a crescer e ajudar os indivíduos a realizar as suas ambições pessoais em termos de comprar uma casa, por exemplo. Essa é a nossa função.

Os bancos estão aqui para servir a população. A nossa função não é especular. Muito do trabalho que fiz nos meus primeiros anos no HSBC foi desfazer algumas das aquisições desastrosas que nós tínhamos feito. Fechámos ou vendemos 74 negócios porque chegámos a um ponto em que nos tínhamos expandido demasiado. E a estratégia do Stuart Gulliver [CEO do Grupo HSBC] com quem trabalhei no final de 2010 e início de 2011 foi precisamente essa: regressar ao centro fulcral do negócio bancário.

Ficou surpreendido com o descalabro do BES? No comments [risos] Se fiquei surpreendido? [pausa] Deixe-me pôr numa perspetiva diferente. Eu basicamente não acompanho o sistema financeiro português, portanto não tenho qualquer tipo de opinião sobre o BES. Espero que a situação se possa resolver. Muitos países tiveram problemas de supervisão bancária e problemas endógenos aos próprios bancos.

Um dos problemas do BES terá sido, precisamente, de supervisão. Mas se pensar no Reino Unido, Espanha e muitos outros países tiveram problemas semelhantes. Não é que isso seja uma desculpa, antes pelo contrário. O que é importante é que se lide com esses problemas de uma forma relativamente rápida para que o sistema financeiro possa voltar a funcionar. Para que possa fazer o que tem, de facto, de fazer: ajudar a economia a desenvolver-se.

Voltando à sua carreira: sócio da McKinsey aos 30, presidente do HSBC UK aos 37. Onde conta estar aos 45, 50 anos?
Qual é o limite? Limite não tenho. Nunca tive um plano de carreira muito definido. As coisas foram acontecendo. Tive bastante sorte, com algum esforço e com algum trabalho. Eu gosto imenso do HSBC. Penso que os valores do banco, a forma como [o banco] sobreviveu à crise, a sua solidez e o facto de ser um banco de alguma forma supranacional - um banco com um estatuto verdadeiramente global - coincide com a minha perspetiva sobre o mundo.

Que coisa lhe deu mais prazer ou orgulho ao longo da sua carreira?
Tenho bastante orgulho em ter trabalhado na McKinsey, claramente. A McKinsey é uma ótima instituição e foi fundamental na minha formação pessoal e profissional. Aprendi muito durante os quase dez anos em que estive lá. É uma empresa extraordinária em termos do enfoque na meritocracia. Trabalhei nos escritórios de Lisboa, Madrid e Londres e fiz projetos na Grécia, Singapura, Holanda, etc. Em Londres, tínhamos 40 nacionalidades.

Tenho orgulho em ter sido eleito sócio aos 30 anos, o que é relativamente raro. Foi um ponto bastante importante na minha carreira.

Mas ser presidente de um grande banco aos 37 não é ainda mais raro?
Sim, é menos comum. Mas de todos os grandes marcos, em termos profissionais, a coisa de que tenho mais orgulho foi ter sido eleito sócio da McKinsey. A eleição é complexa. A decisão é global, mas o escritório onde se está tem de propor o nome. Tem que se ter um sponsor e de passar em determinados critérios. É um processo muito complexo.

Uma eleição, dizem, mais complicada do que a eleição do Papa.
[risos] Não, antes pelo contrário. Sem querer fazer comentários religiosos, os processos na McKinsey são muito objetivos nesse aspeto. Fiquei muito surpreendido quando fui eleito. Obviamente contava ser eleito, mas pensava que isso só aconteceria no ciclo seguinte. Lembro-me perfeitamente do que o Ian Davis - o managing-director (ou CEO) da McKinsey na altura e que agora é presidente da Rolls-Royce - me disse: “O que quer que aconteça no resto da tua vida, nunca deixarás de ter sido sócio da McKinsey.”

Esse sentimento de orgulho, o facto de que eu trabalhei imenso para chegar àquele ponto, esse feito foi importante para mim nessa altura. Depois saí [da McKinsey] porque tive esta oportunidade. Orgulho-me de estar a fazer o que estou a fazer agora como presidente do banco no Reino Unido. Não só pela minha idade, mas pelo facto de poder liderar 43 mil pessoas.

A McKinsey é provavelmente a firma de consultoria mais famosa do mundo. Tem uma certa aura de secretismo, quase como um culto ou loja maçónica.
Acho que é menos um culto e mais um mito. Esse mito é de certa forma alimentado por eles. É uma das empresas que conheço - o HSBC também é excelente nessa perspetiva - que tem um verdadeiro enfoque na meritocracia. O que conta, de facto, é só o mérito.

Fez o MBA na Columbia Business School, em Nova Iorque. Por que razão escolheu esta escola?
Eu pensava que estava destinado a ir para Harvard. Tinha Harvard tatuado no meu braço. No último ano da licenciatura fui bastante encorajado por professores e comecei a pensar fazer o doutoramento [em Harvard]. Mas depois entrei para a McKinsey. Gostei muito da parte académica, mas achei que seria mais interessante trabalhar. A McKinsey encoraja muito os business analysts - era o que eu era nessa altura - a fazer um MBA e eu decidi candidatar-me. Muitos portugueses fazem o MBA no INSEAD [em Fontainebleau, França] porque é só um ano e mais próximo de casa. Eu escolhi um MBA de dois anos e em Nova Iorque. Era bastante novo e queria estar numa grande cidade como São Francisco, Londres ou Nova Iorque.

Uma questão de gosto, de preferência por um grande centro urbano?
Uma questão de experiência de vida. Apesar de tudo, Lisboa é uma cidade muito pequena em que 99% das pessoas são muito homogéneas e há muito pouca diversidade. Também falei com Stanford, mas eles disseram que com 23 anos nem valia a pena candidatar-me ao MBA: “Trabalhe mais três ou quatro anos e depois venha falar connosco.” A maior parte das pessoas candidata-se a três ou quatro MBAs, mas eu candidatei-me unicamente a Columbia. Gostei da experiência de Nova Iorque.
Nuno Botelho
Quando fez o MBA nos Estados Unidos sentiu que em termos de preparação estava melhor ou pior do que os outros alunos?
Eu era o aluno mais novo do MBA e trazia uma vertente académica muito forte da Universidade Nova. A qualidade técnica do ensino [na Nova] - em termos de Matemática, da base académica - era muito, muito boa. A Nova, sobretudo em Economia, tinha muitos professores que tinham estudado nas grandes escolas de Economia dos Estados Unidos, como Chicago, Harvard, etc.

Não se sentiu inferiorizado, portanto.
O ensino da Nova é muito mais forte do que o de muitas escolas americanas. De tal forma que graças às minhas bases académicas portuguesas fui convidado para ser professor assistente - basicamente dava as aulas práticas, respondia às perguntas dos alunos - de Estatística e depois de Microeconomia no próprio curso do MBA, ao mesmo tempo que fazia o resto das minhas aulas. Aliás, acho que nunca perdi a esperança de voltar a fazer uma coisa mais académica. Gostei muito de ser professor assistente na Universidade de Columbia.

Saudades da investigação, do contacto com os alunos?
Mais pelo contacto com os alunos e não tanto pela investigação. Gostei de ensinar. Acho que há partes interessantes [na investigação], mas, apesar de tudo, tanto a Economia como a Gestão são ciências menos exatas. A investigação poderá ser interessante mas é menos estimulante. Não se alcançam os mesmos resultados concretos da investigação na área das ciências naturais, por exemplo. Mas isto se calhar é um preconceito meu.

E onde gostaria de ensinar? Lisboa, Nova Iorque, Harvard, Londres?
Eu gosto muito de Londres. Acho que voltar para os Estados Unidos seria complicado.

Porquê?
Gostei de estudar em Nova Iorque, mas acho que viver nos Estados Unidos é um bocadinho diferente. Preferia ficar na Europa. Londres é uma cidade verdadeiramente cosmopolita. Em Nova Iorque toda a gente tenta transformar-se num nova-iorquino. Apesar de haver muito melting pot, a cultura é muito americana e acaba por ser muito dominada pela visão americana do mundo. Nova Iorque é muito mais diversa do que o resto das cidades americanas, muito mais aberta e cosmopolita do que o resto dos Estados Unidos. Mas não se compara a Londres. Londres é uma cidade verdadeiramente multirracial, multiétnica e muito mais interessante.

Não pensa voltar um dia a Portugal?
Eu tenho relações relativamente próximas com Portugal. Vou lá muito. A grande vantagem de estar em Londres é que estamos a duas horas e meia de Lisboa. Chego mais depressa a Portugal do que a muitas partes da Inglaterra. Viajo muito pelo Reino Unido. Quando fui nomeado CEO decidi dividir o meu tempo em três partes: um terço com clientes, um terço com os nossos empregados (faço conferências, almoços mensais, mentoring, etc.) e outro terço para tudo o resto (estratégia, governance, etc.). Mas apesar de começar a trabalhar às 6h30 não sei se estou a conseguir fazer tudo. Tenho uma regra: gosto de visitar um balcão, um call center, um centro de commercial banking, etc. por dia - ou seja, cinco por semana.

A ideia é a de que se for CEO do HSBC durante quatro anos visito todas as dependências do banco.

Isso faz parte do seu conceito de gestão?
Um ponto importante da liderança de um banco com 43 mil empregados é a visibilidade. Tento passar o menor tempo possível na “torre”.

Que conselhos daria a um jovem licenciado português?
O país vive num clima de desânimo e é importante reagir. Os jovens não se podem deixar abater pela conjuntura económica que o país atravessa. Têm de ser otimistas e tentar alcançar um equilíbrio entre ambição/confiança e ética de trabalho/ humildade. Eu cresci numa família perfeitamente normal. Uma família ótima, que me deu muito apoio, mas sem qualquer tipo de privilégio. Isso determinou a minha perspetiva sobre a importância do mérito e da meritocracia. Ambos os meus pais trabalhavam na área financeira, em seguros. Ensinaram-me a importância da honestidade e da disciplina de trabalho que tenho hoje.

Tem ídolos? Qual é a pessoa, de qualquer área, que você realmente admira?
Eu tenho poucos role models. O chavão aqui seria citar o Dalai Lama ou o Gandhi, mas eu não tenho esses grandes modelos. Tenho feito muito trabalho com o Fórum Económico Mundial, em Davos. Conheci muitas pessoas através do Fórum que, precisamente por não estarem na área dos negócios ou da banca - pessoas que trabalham na área governamental, em ONGs e que fazem coisas que são completamente diferentes do meu dia a dia -, essas pessoas, para mim, são exemplos muito mais interessantes.

Além de Stephan Morais, você é o único young global leader português em Davos.
Era. Agora sou old global leader [risos]. Estive em Davos nos últimos seis anos e vou estar agora de novo no final de janeiro.

Mas tem, certamente, pessoas na área dos negócios que realmente admira.
Os dois líderes das grandes empresas para quem trabalhei. Na McKinsey, o Ian Davis é um exemplo extraordinário de meritocracia. No Grupo HSBC, o nosso CEO, Stuart Gulliver. A esse nível são, provavelmente, duas das pessoas que mais admiro.

José Mourinho é certamente o português mais famoso de Londres. Já alguma vez se cruzou com ele? O que pensa dele?
Respeito muito o José Mourinho. Sou até fã do Chelsea - exceto no dia 10 de dezembro, quando estive em Stamford Bridge a assistir à eliminação do Sporting da Champions League.

Sportinguista?
Não sou grande fanático, mas sou do Sporting, como o meu pai. O José Mourinho também faz parte do Conselho da Diáspora, pelo que nos vamos cruzar com alguma frequência. Ele é o perfeito símbolo da meritocracia de que falava e tenho orgulho que ele seja português.

Vejo que tem um fitness tracker no seu pulso. Como é que se mantém em forma?
Faço ginástica regularmente. Treino com o meu personal trainer três vezes por semana e faço ioga ao domingo.

Que livros tem na sua mesa de cabeceira?
Normalmente não leio muitos livros de negócios, mas de momento tenho todos os [livros] finalistas do prémio “Financial Times Business Book of the Year”. Estive no jantar de atribuição dos prémios no Victoria & Albert Museum e ofereceram-me todos. Estou a ler o “Capital in the Twenty-First Century”, do Thomas Piketty, já acabei o “The Second Machine Age”, de Andrew McAfee/Erik Brynjolfsson, e quero ler ainda “House of Debt”, de Atif Mian/Amir Sufi, e o “Dragnet Nation”, da Julia Angwin. Fiquei sentado ao lado dela durante o jantar - superinteressante.

Tem tempo para hobbies?
Não muito. Como disse, começo a trabalhar às 6h30 da manhã e tenho uma disciplina relativamente rigorosa quanto ao que faço durante a semana. Um dia por semana tento fazer alguma coisa mais interessante com o Tomás, o meu marido: uma ida ao teatro, ao cinema ou a outro espetáculo. Vivemos dois anos em Hong Kong e aí a oferta cultural era muito fraca. Estamos a tentar recuperar o atraso. Também tento reduzir as noites de trabalho efetivo - com clientes ou qualquer outro tipo de business - a uma vez por semana.

Onde conheceu o seu marido?
O Tomás é espanhol das Canárias, mas estudou em Madrid e veio trabalhar para Londres há mais de 15 anos. Conhecemo-nos na festa de anos de um amigo comum no verão de 2002.

Você foi sempre muito franco relativamente à sua orientação sexual e chegou à presidência de um grande banco britânico. Acha que isso seria possível em Portugal? Alguém out durante toda a carreira poderia chegar a CEO de um banco português?
Seria naturalmente possível se alguém me convidasse para ser CEO de um banco em Portugal, por exemplo [pausa]. Obviamente que nós temos o exemplo do Tim Cook que é interessante, ou seja, ele acabou por ser CEO da maior empresa do mundo [Apple]. Mas só mais tarde saiu do armário.

Tim Cook não era assumidamente gay, mas também nunca escondeu ou fingiu, ao contrário do que ainda acontece muito em Portugal.
Sim, ele nunca negou. Mas em Portugal acho que há muitos exemplos de pessoas que na sua vida pessoal são relativamente out e que têm alguma abertura como sendo gay, embora não o façam no mundo profissional. Não sei se é possível - é uma pergunta hipotética -, mas eu acho que Tim Cook provou que é possível fazê-lo e que isso não é um problema.

Falei muito sobre isto com o [lorde] John Browne [antigo presidente da BP, demitiu-se em 2007 após revelações sobre a sua homossexualidade]. Ele escreveu agora um livro [“The Glass Closet”] sobre o assunto. O problema de Browne é que ele é de outra geração. Esse é o argumento dele: como nunca saiu do armário, depois é difícil fazê-lo quando se chega aos 50 e não sei quantos anos. Mas o Tim Cook provou que isso é possível, que se pode fazê-lo de uma forma gradual. Acho que o que é mais importante agora - pensando na minha geração - é que pessoas que estão fora do armário toda a sua carreira cheguem a ser presidentes de um banco ou de uma grande empresa em Portugal.

Estamos a falar de um país pequenino, com uma elite no mundo da política e dos negócios onde toda a gente se conhece e se cruza constantemente. A sociedade portuguesa já evoluiu, tanto a nível político - em termos de direitos e do reconhecimento do casamento homossexual, por exemplo - como a nível social. Acho que em termos sociais não tem qualquer tipo de problema ser gay em Lisboa. Por isso digo que existe uma responsabilidade pessoal, a nível profissional, para se sair totalmente do armário. Se queremos viver numa verdadeira meritocracia, a única coisa que deveria importar de facto é o mérito. O que interessa é o que se consegue fazer e não o que se é. Isso deveria dar confiança e salvaguarda às pessoas. Os próprios indivíduos gay ou LGBT têm a responsabilidade individual de não pensar que isso é um problema. Eu racionalizei isso na minha cabeça.

De que forma?
Grande parte das pessoas gay pensa que ser gay é ok, que não é uma grande desvantagem ou que é uma coisa neutra. Elas devem pensar que ser gay é uma vantagem e não uma desvantagem. Penso que ser gay é uma vantagem para mim. Tornou-me uma pessoa mais autêntica, com melhor empatia, melhor inteligência emocional. Se eu não fosse gay se calhar não seria CEO do banco. No livro “The Glass Closet”, John Browne escreve precisamente sobre a questão da homofobia no mundo empresarial e sobre os desafios e provocações a que os empregados gay estão sujeitos.

Nunca sentiu qualquer tipo de discriminação no mundo tão competitivo e machista da City de Londres?
Não, nunca tive qualquer tipo de problema de discriminação. Antes pelo contrário. Obviamente que todas as pessoas se sentiram de alguma forma como outsiders em algum ponto das suas vidas ou carreiras. Por qualquer razão. Porque se chega a uma cidade ou a uma escola nova e não se conhece ninguém. Acontece a uma pessoa que vem do lado errado da cidade. Ou porque alguém é do Porto e vem para Lisboa e tem um sotaque diferente. Todos já estivemos nessa situação de alguma forma. Eu sempre pensei que a forma correta de pensar é acreditar que o sistema é suficientemente justo e que através de uma boa ética de trabalho, de uma boa educação e de algum esforço se acabará por se ser remunerado e recompensado através de progressão na carreira. Acho que é importante não ter uma atitude de vítima sobre este tipo de assuntos. Em 2015, definitivamente não. Isso se calhar era verdade nos anos 80. Quando comecei a trabalhar, o ambiente não era tão inclusivo como é hoje.

Ainda ouve perguntas do tipo “o que faz a sua mulher?”
Acontecia imenso. Por vezes respondo: “O meu marido também trabalha na área financeira”; ou antecipo-me e digo: “O meu marido pede o divórcio se não chego a horas a casa para passear os cães”. Mas a verdade é que sendo o presidente do banco e tendo falado disto tantas vezes já ninguém pergunta. E, por outro lado, a sociedade é tão politicamente correta, especialmente na Inglaterra - e em Londres, em particular - que nós vivemos nesta redoma de aceitabilidade em que ninguém vai dizer absolutamente nada. Em dezembro tivemos o nosso jantar anual com a administração do banco e claro que o Tomás esteve lá comigo. Eu tenho essa responsabilidade, para que as pessoas que trabalham comigo vejam que eu próprio lido com este tema de uma forma bastante natural.
Como é que a família em Portugal lidou com o assunto?
 
Com a mesma naturalidade e apoio do pai, mãe e irmã. Nem sempre foi fácil para eles, dado o entorno da sociedade portuguesa. Mas eu sempre vivi num ambiente com imenso apoio dos amigos e da família.

Essa “naturalidade” é talvez pouco comum em Portugal.
Sim, mas só por isso é que falo sobre o assunto. Para que se torne mais natural. Disse há pouco tempo numa conferência que é muito mais estranho - e estatisticamente improvável - que eu tenha 39 anos e seja português e seja presidente do banco do que o facto de ser gay e ser presidente do banco. Nunca mais vai acontecer na história do HSBC que um português meio baixinho e meio careca, de 39 anos, volte a ser presidente do banco. Mas espero - aliás, estou certo - que teremos muito mais CEO gays nas próximas gerações.

Já agora: o que é que o seu marido faz?
O Tomás é muito mais inteligente do que eu. Trabalha menos e com mais sucesso. Também trabalha na área financeira. Tem a sua própria empresa, que angaria fundos para hedge funds.
[Texto publicado originalmente na Revista E de 17 de janeiro de 2015]
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Reportagem por Pedro D'Anunciação
Fonte:  http://expresso.sapo.pt/economia/2015-08-04-Se-nao-fosse-gay-provavelmente-nao-seria-CEO-do-banco.-Um-portugues-no-topo-da-Europa-1

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