domingo, 27 de setembro de 2015

A floresta encantada e o imaginário

Juremir Machado da Silva*

 

Um aluno me perguntou na entrada da PUCRS: “Professor, o que é mesmo o imaginário?”

Não hesitei: “A floresta encantada”.

Ele fez um ar surpreso.

Queria uma explicação.

Não tive tempo de dar. O carro que ele esperava chegou. Não o conhecia. Dou a explicação para todos. Danielzinho, filho da minha sobrinha Cibele, neto da minha irmã mais velha, a Iara, vive em Rondonópolis, onde nasceu. Quando ele vai passear em Santana do Livramento, fica fascinado com um terreno vazio cheio de árvores, mato e taquareiras.

- É a floresta encantada – define.

Todo dia, ele quer ir à floresta encantada. Não se anima a entrar. Fica na beira certamente imaginando os incríveis seres que a habitam. Danielzinho gosta de histórias. Tem muita energia e quer ver gente. Quando vê todo mundo parado, solta o seu grito de guerra.

- Bora pro Dico.

Dico é o meu tio Odir, que já deve andar encostando nos 70 anos de idade. Dico mora ao lado da “floresta encantada”. Quando eu era criança, Dico era uma referência para mim. Na Florentina, ele sempre tinha um cavalo, que alimentava com milho, cobria com uma capa, guardava numa estrebaria e cuidava para uma carreira que nunca chegava. Dico ia à cidade. Quando estava voltando, vendo ao longe a sua figura, meus avós sempre exclamavam:

- Lá vem o Dico. Vem da cidade.

Dico fazia parte de uma “floresta encantada”. Que novidades ele traria da cidade? O que teria visto? O que contaria? Eu passava dias olhando por cima do mato, com o cerro de Palomas ao fundo, esperando enxergar o Dico vindo da cidade cheio de mistérios e histórias. Danielzinho gosta do Dico e deslumbra-se com a “floresta encantada”. Os adultos contam essa história, como me contaram ainda outro dia, encantados com o encanto do Danielzinho.

- Não tem nada lá na floresta encantada – dizem.

Riem. Depois, ficam, por um longo segundo, sérios. Ou eu é que acho isso.

- É só o terreno da Lurdes – falam.

Já não sei quem é a Lurdes. Depois de ouvir essa história, fiquei, do pátio da casa da Iara, olhando para o verde da “floresta encantada”. Senti uma inveja boa do Danielzinho. Cheguei a ver um ser estranho em meio ao verde da “floresta encantada”. Depois, sorri. Compreendi que ali estava a tão procurada definição de imaginário. Uma aura. O imaginário é essa floresta encantada que só a infância percebe. O imaginário é infância que permanece no adulto. O homem que não sabe jogar cai em depressão. O jogo de muitos é o trabalho. Edgar Morin diz que o homem é faber (trabalho), ludens (jogo) e demens (loucura). Eu me permito dizer que o homem é um ser imaginário. Depois que a infância passa, cada um precisa saber inventar uma nova floresta encantada onde possa brincar de ser novamente criança.

- Bora pro Dico.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Jornalista.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=7641
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