domingo, 13 de setembro de 2015

Um novo discurso do método teológico?

Que fazer, na Europa e nos EUA, para vencer a persistente cegueira que prepara sempre novas asneiras?
1. O regresso a este espaço pede-me alguns parágrafos de introdução. Começo por destacar o trabalho exemplar de reconstrução de uma muito original, eficaz e clandestina “devoção”, a dos Terceiros Sábados, lançada pelo casal Natália Duarte Silva – Nuno Teotónio Pereira, nos anos 70 do séc. XX.
Ignorada nas investigações sobre a relação dos grupos católicos com o Estado Novo e com a guerra colonial, foi agora tirada do limbo da memória de muitos participantes pelo esforço de António Marujo [1].

A pertinência do texto Dói-me Portugal, de Pacheco Pereira, não se vai esgotar na presente conjuntura política [2]. Clara Ferreira Alves, com As lágrimas de crocodilo [3], não permite esquecer que os EUA e a Europa foram e são parceiros na sementeira e na teia das loucuras cujas consequências, só em parte, estão à vista de todos, na tragédia dos fluxos migratórios. Se ninguém se lembra de perguntar aos países ricos do Golfo, irmãos da mesma fé, quantos refugiados sírios receberam, é porque os negócios sujos exigem silêncio. Em 2014, a Alemanha e os Estados Unidos bateram recordes na venda de armas no Golfo.

António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, espera que, nesta emergência, o crescimento da onda de solidariedade entre os cidadãos europeus se imponha aos seus governos. Mas que fazer, na Europa e nos EUA, para vencer a persistente cegueira que prepara sempre novas asneiras? 

Foi muito citado o sintético e eloquente discurso de Barack Obama: “Mais seca. Mais inundações. Níveis do mar a subir. Maior migração. Mais refugiados. Mais escassez. Mais conflito. Um líder que trate este assunto como uma piada não tem qualidades para liderar”. É verdade. Mas será necessário repetir que esta civilização se autodestrói, nas suas próprias conquistas, se continuar a ser guiada pelo império do dinheiro? As organizações e práticas políticas que ignoram o bem comum de toda a humanidade, em todas as suas dimensões, acabam por se tornar organizações criminosas, assassinas, impondo uma economia que mata. Como diz o Papa Francisco, “se queremos realmente alcançar uma economia global saudável, precisamos, neste momento da história, de um modo mais eficiente de interacção que, sem prejuízo da soberania das nações, assegure o bem-estar económico a todos e não apenas a alguns” [4].

2. É verdade que as ousadias de Bergoglio nem na própria Igreja Católica têm sempre bom acolhimento. Anselmo Borges [5] pensa que a oposição e as manobras de 17 cardeais talvez não sejam suficientes para manter, no Sínodo sobre a Família, a recusa da comunhão aos católicos divorciados que voltaram a casar. Veremos.

O papa Francisco esteve presente, mediante uma vídeo-mensagem, no Congresso Internacional de Teologia sobre o tema “O Concílio Vaticano II – memória, presente e perspetivas”, promovido entre 1-3 de Setembro para celebrar os 100 anos da Faculdade de Teologia da Universidade Católica da Argentina e os 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Assumiu a revolução desencadeada por João XXIII e apresentou o método do seu próprio discurso teológico que não dissolve as tenções nem paira na abstração totalizante, em nome da ortodoxia. Quem se deleitava a denegrir a sua ligeireza doutrinal, vai ter muito que engolir.

3. Hoje, tenho de me limitar apenas a transcrever alguns parágrafos dessa longa mensagem. Esta pressupõe um árduo trabalho para distinguir a mensagem de Vida da sua forma de transmissão, dos elementos culturais em que foi codificada, num determinado tempo.

(…) Não fazer este exercício de discernimento conduz, com toda a certeza, a trair o conteúdo da própria mensagem. A Boa Nova deixa de ser nova e, especialmente, boa, tornando-se uma palavra estéril, vazia de toda a sua força criadora, que cura e ressuscita, pondo em perigo a fé das pessoas do nosso tempo. A falta deste exercício teológico eclesial é uma mutilação da missão que estamos convidados a realizar. A doutrina não é um sistema fechado, privado de dinâmicas capazes de gerar interrogações, dúvidas, questionamentos. Pelo contrário, a doutrina cristã tem rosto, tem corpo, tem carne, chama-se Jesus Cristo e é a sua vida que é oferecida de geração em geração a todos os seres humanos. A fidelidade a esta doutrina, a esta herança, exige o conhecimento e amor daqueles a quem é proposta, o nosso próximo.
---------
* Religioso.
Fonte:  http://www.publico.pt/sociedade/noticia/um-novo-discurso-do-metodo-teologico-1707635
Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário