terça-feira, 6 de outubro de 2015

LUNNA GUEDES: OITO PERGUNTAS APENAS...

Vive com um punhado de tempo "passado" na pele e qualquer coisa de tempo "futuro" na cabeça. acostumou-se a viver sem mapas… e, a se mudar de cá para lá.

Lunna Guedes é escritora, editora... artesã de livros e degustadora de cafés, sendo seus favoritos os que são servidos em copos brancos, com uma sereia de duas caldas desenhada na "borda". É seu placebo... remendo.
Nasceu em Gênova, em 1981... mudou-se para São Paulo em 2002, onde conheceu seu Mr. Darcy. Abandonou a prática da psicanálise e foi viver sua paixão: escrever e costurar seus livros: hoje tem um cachorro, um punhado de livros, sendo três seus e um punhado dos outros. Nunca foi tão feliz... caminha sem pressa, com prazer e está sempre acompanhada pelas ilusões da vida, a arte dos dias e a paixão contínua.
Lunnaguedes por Lunna Guedes  – vive com um punhado de tempo "passado" na pele e qualquer coisa de tempo "futuro" na cabeça. acostumou-se a viver sem mapas… e, a se mudar de cá para lá.
 
mulher. sagitariana. blogueira. se diz italiana as segundas. paulistana as terças. sem lar ou país as quartas e, nos demais dias da semana, se diz outra que não ela, que não ninguém…
Tem um boxer chamado Patrick. um namorado a quem, por força da língua, chama de: "amore mio" e um punhado de pessoas, que coleciona, como se fossem figurinhas e ela um álbum incompleto.
 
não gosta de fazer compras. detesta dias de sol e por consequência, ama dias de chuva. teve vários outros nomes, mas como não suporta rótulos, foi ao longo dos dias, inventando superfícies. já foi Raissa, Alexandra, Deborah, Catarina … mas volta sempre a ser lunna das noites inteiras! E passadas as seis horas – quando não invertem o horário e mandam tudo para mais tarde – ela faz uma pausa: fecha os olhos e reza sua prece; um poema de Eliot, Borges ou Campos…

BAP1: Fale-nos de como uma psicanalista deixa para trás seu caminho profissional e abraça outro, o das letras, da escrita. Como se deu essa ruptura/metamorfose e por quê?
Lunna Guedes: Ruptura significa deixar a casca e não foi o que aconteceu comigo... eu percorri o caminho inverso. Saí totalmente de mim... me abandonei e fui em outras direções. Eu me lembro como se fosse ontem do reencontro, diante do espelho. Senti saudades de estar sozinha, na cozinha de casa, de frente para o mar, com um punhado de papéis em banco a conversar com esse eu que habita o fundo de minha matéria. Eu escolhi voltar para a casa que sou. Como disse Pessoa: “primeiro a gente estranha-se, depois entranha-se”.

BAP2: O que representa “Lua de Papel” na sua trajetória artística?
LG: Só há uma maneira de definir "lua de papel"... é minha metástase. 

BAP3: Você escreve e edita livros, e é blogueira. O futuro da literatura está no livro físico, nos e-books e blogs ou em ambos? Fale também sobre esse campo de atuação da literatura no mundo dito virtual.
LG: A literatura é uma voz que precisa ser ouvida... não há um mundo para ela, há um lugar... que somos nós. Eu comecei a usar o blogue, aconselhada que fui por um amigo que sabia da minha necessidade de produzir escritos (ensaios). Sempre pensei, em algum momento do meu aprendizado, ter um livro impresso, mas não queria esse formato de livrarias e prateleiras, porque o alternativo e independente me seduziu desde o princípio. Sou rebelde por natureza. Quero leitores, e não pessoas que compram livros para movê-los de uma prateleira para outra.
 
O mundo virtual é apenas mais uma voz e, se souber ser usada pelo escritor, faz eco... caso contrário, fica pelo caminho.

BAP4: Em sua biografia, você diz: “Lunna caminha sem pressa, com prazer e está sempre acompanhada pelas ilusões da vida, a arte dos dias e a paixão contínua.” Até que ponto chega a sua liberdade? Quando você percebeu que a pressa da vida não deveria mais te atingir?

LG: ...quando li “passagem das horas”, de Álvaro de Campos: “trago dentro do meu coração, como num cofre que se não pode fechar de cheio. Todos os lugares onde estive. Todos os portos a que cheguei. Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias. Ou de tombadilhos, sonhando. E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero”. Percebi que a escrita seria o meu Norte, mas era preciso tempo... respeitar as minhas pausas, compreender minhas quietudes e, principalmente, aceitar a minha monotonia. A escrita pede disciplina e me lembra constantemente de que eu sou uma escritora até a última linha... depois disso, não sou ninguém, mais nada, e preciso aceitar que talvez seja para sempre. Não é fácil. Já me acabei milhares de vezes... Confesso que, a cada nova morte, tem sido bem mais fácil renascer, mas em algum momento não será mais possível. Eu sei disso, ainda que não tenha aceitado muito bem... (risos)

BAP5: Você retira dos acontecimentos do cotidiano a matéria-prima para seus escritos, ou tudo que você escreve é fruto de sua imaginação? A maioria dos escritores diz que mistura tudo. Como é esse processo da escrita para você?

LG: Demorei muito para compreender as regras desse jogo... até que li o diário de Sylvia Plath e uma passagem dela reverberou em minhas entranhas. Ela dizia que adorava pessoas... eu dizia justamente o contrário, mas percebi que estava errada. Eu adoro pessoas e tudo que elas acrescentam ao meu imaginário. Para ele, pessoas são ingredientes... quem sou eu para dizer o contrário? (risos) 
 
"Acho que a Europa será outra em pouco tempo... 
e é isso o que mais assusta, porque as pessoas têm medo da mudança, principalmente quando não há tempo para se preparar para o inevitável."


BAP6: Aos escritores, em geral, é atribuído um lugar de “sujeito suposto saber”, afinal, eles “sabem” tudo dos seus personagens, imaginam os leitores. Você concorda com essa premissa? Os escritores possuem essa onipotência mesmo?
LG: Há de se preservar qualquer coisa de mistério... não me lembro quem disse isso, mas concordo. A vida nos surpreende o tempo todo... nossos personagens, se vivos, seguem o mesmo caminho.

BAP7: Sendo uma genovesa que adotou o Brasil, e mais precisamente São Paulo – uma cidade caracterizada pela combinação de diferentes povos de todos os locais do mundo – como sua casa, como você analisa a atual crise migratória européia?
LG: Acho um bocado difícil... eu vim para São Paulo pela primeira vez a contragosto. Não tive opção e, quando fui embora, disse que não voltaria. Voltei em 2002 para “encontrar” a cidade de um dos meus autores favoritos: Mário de Andrade. Não foi fácil... mas foi bem menos difícil. Demorei a me acostumar, ambientar. A língua não foi o único problema. Os costumes são outros. A realidade... Então, imagino a realidade de todas essas pessoas em fuga. Ninguém está preparado para esse problema: nem as pessoas que fogem de seu país. nem as que terão que recebê-las.
Acho que a Europa será outra em pouco tempo... e é isso o que mais assusta, porque as pessoas têm medo da mudança, principalmente quando não há tempo para se preparar para o inevitável. 

BAP8: Fale um pouco sobre o seu selo artesanal, a Scenarium. Fazer e vender livros artesanais, além do prazer enorme que deve lhe proporcionar, também é um bom negócio (no Brasil e no mundo)? Explique como é o processo editorial de um livro artesanal?
LG: Quando pensei o livro artesanal, não o vislumbrei como um projeto para os outros, e sim para mim. Não queria o formato tradicional do livro. Na infância, eu escrevia para meus autores favoritos, como se fossem iguais... e isso me fez acreditar que um escritor deve cuidar do seu leitor... foi justamente isso que o livro artesanal me permitiu. Exemplares numerados, tiragem pequena e a certeza de que o meu leitor teria total acesso a mim, sabendo, entre outras coisas, que o meu livro seria uma parte minha e uma parte dele. Uma espécie de simbiose. 
 
Foi uma surpresa – confesso – me deparar com pessoas interessadas em ter seus livros costurados por mim. Quando me dei conta, já não conseguia mais atender aos pedidos sozinha... foi quando surgiu a ideia de “produção independente”.
 
Desde que inventei a Scenarium, o meu trabalho consiste em garimpar autores que combinem com o meu estilo Editorial e, principalmente, que me façam sentir vontade de alinhavá-los... eu sou uma pessoa muito exigente, chata e tenho para mim que a escrita deve ser um diálogo entre autor e leitor. Se não conversa comigo... recuso, mas não quer dizer que o autor não seja bom, apenas não serve para o meu projeto.
Não gosto de nada que aconteça sem esforço... acho que um autor deve ler seus escritos, ter consciência de que não estão prontos e talvez nunca fiquem. Sobretudo, precisa entender que o olhar do Editor (no caso, o meu) vai atravessá-lo e, em algum lugar, existirão reticências...
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FONTE: http://bocaapenas.blogspot.com.br/01/10/2015

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