segunda-feira, 2 de novembro de 2015

COMO CONVERSAR COM UM FASCISTA - Prefácio do Livro.

Marcia Tiburi 7 Alguns dizem que a história de um povo ou nação tem um movimento pendular; outros dizem que ela se move numa espiral, ora ascendente ora descendente (confesso que eu prefiro esta segunda alegoria). Qualquer que seja o movimento dessa história, ideias que estiveram encarnadas em pessoas e episódios que fizeram sofrer indivíduos e/ou coletivos costumam retornar como fantasmas ou assombrações desejando reencarnar. Este retorno exige a evocação de poderosos espectros que possam combater e espantar esses fantasmas, como emHamlet, de William Shakespeare.

A maioria da população brasileira está há décadas alijada do direito a uma educação de qualidade que lhe faça cidadã com capacidade de pensamento crítico e de reconhecimento da diversidade cultural e humana. A ampliação do acesso ao sistema formal de educação – incluindo aí o ensino superior –, sobretudo na era Lula, não significou acesso a uma educação de qualidade. Muitas “universidades” e faculdades, principalmente privadas, têm diplomado analfabetos funcionais* por estabelecerem com os alunos uma relação pautada no direito do consumidor. Mais de 70% dos brasileiros não leem livros. A maioria se informa apenas por tevês e rádios, que, pela própria dinâmica da comunicação de massa, não aprofundam as questões de interesse público e divulgam as informações de acordo com interesses políticos e financeiros de seus concessionários ou administradores. Ao mesmo tempo, e graças à inclusão via consumo de bens materiais garantida pelas políticas sociais da assim chamada “Era Lula”, parte expressiva e crescente dessa maioria plugou-se na internet – um dilúvio de informações falsas e verdadeiras nem sempre fáceis de distinguir para alguém sem repertório cultural ou habilidade em interpretar texto – e se organizou em redes sociais digitais por meio de novas tecnologias da comunicação e da informação, como os smartphones. Ora, isso só poderia levar esse contingente a aderir aos discursos demagógicos e manipuladores que interpelam preconceitos e sensos comuns históricos e propõem soluções fáceis, mas mentirosas e/ou autoritárias para as questões complexas que nos envolvem diariamente, como a criminalidade e a violência urbanas, as desigualdades social e de gênero, as tensões raciais, a diversidade de orientação sexual e identidade de gênero, a intolerância religiosa, a mobilidade urbana, os conflitos agrários e os desastres ambientais. Essa situação acrescida da lógica egoísta – “farinha pouca, meu pirão primeiro” – que as crises econômicas e/ou financeiras como a que estamos vivendo costumam trazer são provas irrefutáveis do retorno e reencarnação de um fantasma perigoso chamado fascismo.

Diante desse mal, há que se evocar espectros que possam exorcizá-lo. A filosofia e as ciências humanas não podem, portanto, abrir mão da responsabilidade de evocarem a razão iluminista, o conhecimento científico, a honestidade intelectual, as liberdades civis e a democracia. É o que faz a filósofa Márcia Tiburi neste Como conversar com um fascista? Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro, num texto que impressiona pela combinação da profundidade e sofisticação intelectuais com uma enorme generosidade com o leitor que não compartilha de seu repertório cultural. Portanto, este livro é para o que nasce!

Preocupada com o fascismo que vem afetando a política brasileira nos últimos cinco anos e ciente de que este costuma prescrever a eliminação simbólica e/ou física dos “inimigos” que constrói como forma de se “justificar”, Márcia Tiburi propõe o diálogo como forma de resistência à banalização do mal a que assistimos atônitos, indiferentes ou indignados, ou para a qual damos nossa contribuição, seja em forma de postagens ou comentários no Facebook, seja em ações concretas contra o outro (como, por exemplo, chutar e insultar dois garotos negros rendidos pela polícia apenas porque envolvidos numa briga de colegiais que assustou frequentadores de um shopping de luxo).

A filósofa judia Hannah Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal” quando analisou o julgamento de Eichmann, um dos nazista levados ao tribunal. Com esta expressão, a filósofa se referia ao mal que não é enraizado (que não é “radical”, para usar a expressão de Kant) nem praticado como atitude deliberadamente maligna. A banalização do mal é feita pelo ser humano comum que não se responsabiliza pelo que faz de ruim ou acha que o que faz de ruim não tem consequências para os outros; não reflete, não pensa.

Arendt se referiu a Eichmann como uma pessoa tomada pelo “vazio do pensamento”; como um imbecil que não pensava; que repetia clichês e era incapaz de um exame de consciência – e que, por tudo isso, banalizava o mal que praticava. A banalidade do mal pode, portanto, ser feita por qualquer pessoa carente de pensamento crítico e, por isso, insensível à dor do outro e às consequências de seus atos.
O fascista é aquele que banaliza o mal. Para Márcia Tiburi, ele é burro na medida em que não acessa o campo do outro porque lhe falta conhecimento e imaginação para tal. A burrice é o cancelamento do processo de conhecimento e de imaginação. Nesse sentido – e para usar as palavras da própria filósofa – “o fascismo é a máscara mortuária do conhecimento”.

Outra aspecto desse mal apontado por Tiburi é o analfabetismo político. O dramaturgo Bertolt Brecht afirmou, num texto memorável, que “o pior analfabeto é o analfabeto político”. Concordo com esta afirmação desde o momento em que a conheci, já consciente de que eu era um “animal político”, para citar a expressão de Aristóteles. Porém, porque os tempos eram outros (e, naqueles tempos, o dramaturgo alemão sequer sonhava com as transformações sociais, culturais e tecnológicas de que somos testemunhas, promotores e produtos), Brecht definia o analfabeto político como aquele que “não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos”; aquele que “é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política”. Dessa definição brechtiana do analfabeto político, a única característica que sobrevive aos dias atuais é o proclamado e contraditório ódio à política, analisado por Tiburi com acuidade e sem condescendências nas páginas seguintes.

“O que leva um indivíduo a reunir-se em um coletivo sem pensar com cuidado crítico nas causas e consequências dos seus atos configura aquilo que chamamos de analfabetismo político. Mas, no caso dos personagens jovens que surgem atualmente, líderes do fascistoide Movimento Brasil Livre, está em jogo a forma mais perversa de analfabetismo político. Aquele de quem foi manipulado desde cedo e não teve chance de pensar de modo autocrítico porque sua formação foi, no sentido político, ‘de-formação’, a interrupção da capacidade de pensar, de refletir e de discernir”, argumenta.

Mas, sem discordar de Tiburi e apenas dando minha modesta contribuição para a sua excelente e necessária reflexão, digo que, por causa das transformações sociais, culturais e tecnológicas que experimentamos, o “analfabeto político” dos dias atuais é bem diferente daquele dos tempos de Brecht. O analfabeto político da atualidade fala e participa dos acontecimentos político mesmo renunciando à tarefa de se informar melhor sobre eles ou partindo de preconceitos, boatos ou mentiras descaradas sobre tais acontecimentos.

O analfabeto político da contemporaneidade – ao contrário daquele dos tempos de Brecht – participa dos acontecimentos políticos “opinando” sobre eles nas redes sociais digitais sem qualquer cuidado crítico. Eu poderia recorrer a muitos exemplos do atual comportamento do “analfabeto político”, mas, para encurtar este prefácio, já que o que interessa é mesmo o texto de Márcia Tiburi, vou me restringir a uma das muitas estupidezes escritas em minha página no Facebook por ocasião da aprovação do Marco Civil da Internet: “O marco servil [sic] vai acaba [sic] com o facebook e traze [sic] o comunismo vai manda [sic] mata [sic] todo mundo começando por você seu viado filhodaputa [sic]”. Este comentário é um exemplo do analfabetismo político contemporâneo, mas é também o sintoma de uma ameaça à democracia e à vida com pensamento: a maioria dos “analfabetos políticos” que vociferaram nas redes sociais digitais, principalmente a maioria daqueles que fazem menção ao “comunismo” ou ao “socialismo”, deixaram claro quais as fontes de suas afirmações acerca do acontecimento em questão: os colunistas da revista marrom semanal; o senil reacionário que se diz “filósofo”; e a família de parlamentares (deputado federal, deputado estadual e vereador) que parasita o poder público para difamar adversários e estimular o fascismo. Nesse sentido e apesar da virulência e arrogância com que afirma sua ignorância, o “analfabeto político” é uma vítima daquele que Brecht considera “o pior de todos os bandidos”: o político vigarista, desonesto intelectualmente, corrupto e lacaio das grandes corporações.

Portanto, é preciso ter alguma compaixão pelo analfabeto político: insistir na luta para que ele tenha acesso a educação de qualidade e às artes, em especial às artes vivas, com destaque para o teatro. É preciso insistir no diálogo com o fascista. Mas isso é possível? Como conversar com um fascista? Leia este livro e você terá as repostas.

* De acordo com pesquisa realizada pelos ministérios da Educação e da Cultura para a construção do Plano Nacional do Livro e da Leitura, 38% dos estudantes universitários brasileiros foram avaliados em 2011 apenas como alfabetizados funcionais (níveis rudimentar e básico); este número atingia 23% dos universitários em 2001. O número de universitários plenamente alfabetizados, por outro lado, declinou de 76% em 2001 para 62% em 2011. Certamente a ausência da competência plena de leitura prejudica o desempenho dos estudantes brasileiros em todas as áreas de conhecimento, indicando a necessidade clara da intensificação de medidas que priorizem o acesso à leitura plena em todos os níveis como uma das formas mais consistentes de apoiar a melhoria da qualidade da educação em nosso País.
Fonte: http://acasadevidro.com/2015/11/02/l

DO BLOG DE MARCIA TIBURI
 

Como conversar com um fascista?

Sobre um desafio teórico-prático

O genocídio indígena, o massacre racista e classista contra jovens negros e pobres nas periferias das grandes cidades, a homofobia, o feminicídio, a manipulação das crianças, em poucas palavras, o ódio ao outro, se estabelece em nossa sociedade no âmbito do extermínio da própria política. Sabemos que é preciso exterminar a política para que o capitalismo selvagem (tendencialmente, sempre selvagem) se mantenha. É preciso exterminar o desejo de democracia pelo autoritarismo efetivado na prática diária. Para exterminar a política é preciso que o povo a odeie e é isso o que o autoritarismo é e faz.
O autoritarismo é um modo de exercer o poder, mas é também um ideário, uma espécie de regime de conhecimento. Como visão de mundo, ele é fechado ao outro. Ele opera pelo discurso e pela prática sempre bem engrenadas que se organizam ao modo de uma grande falácia, ao modo de um imperativo de alto impacto performativo: o outro não existe e, se existe, deve ser eliminado. Ora, dizemos “regime de conhecimento” pensando na operação mental da negação do outro, mas o conhecimento como gesto na direção do outro é justamente o que é destruído pelo autoritarismo que se basta como máscara sem rosto do conhecimento transformado em ideologia, ou seja, em ofuscamento da verdade social.

Tudo o que não presta

Nada do que possamos chamar de conhecimento pode ser concebido fora de seu registro ético-político.  Se o registro do conhecimento funciona pela negação do outro, o conhecimento nega a si mesmo. Sem o outro, o conhecimento morre. O enrijecimento é uma prova da morte do conhecimento que se torna cegueira ideológica. A ideologia é a redução do conhecimento à fachada, como que sua máscara mortuária. O conhecimento, que deveria ser um processo de encontro e disposição para a alteridade que o representa, sucumbe à sua própria negação. Daí a impressão que temos de que uma personalidade autoritária é, também, burra, pois ela não consegue entender o outro e nada que esteja em seu circuito.

A propaganda é o método que sustenta a negação do outro. A propaganda fascista, a propaganda do ódio, que prega a intolerância, que afirma coisas tão estarrecedoras, como fez o famoso deputado Heinze  ao dizer que “quilombolas, índios, gays, lésbicas”, são “tudo o que não presta”, é a destruição do conhecimento, como relação com o outro, que está na base do desejo de democracia. Autoafirmação de ignorância, assinatura de estupidez. Mas é, ao mesmo tempo, a destruição da política por um discurso antipolítico de um agente que deveria ser político, mas que está, contudo, voltado para o instinto de morte antipolítico.

Em casos como o desse discurso podemos falar em uma prática discursiva “tanática”, exemplo perfeito da “tanatopolítica” contemporânea. Típico discurso fascista. Mas a quem esse discurso convence? Eis uma questão que precisamos nos colocar, até para poder combater o mesmo discurso ou para criar alternativas para a sobrevivência de uma política democrática, para uma política melhor, para um poder da diferença, um poder compreensivo que acolha a tradição dos oprimidos.

Quem fala o que fala, sem nenhuma responsabilidade, por um lado deve ser legalmente questionado, por outro, é preciso colocar em jogo a questão das condições de possibilidade que, na cultura, fazem surgir falas como a do deputado citado. Como alguém pode se autorizar ao discurso fascista que é fomentado por sua propaganda? De outro, quem é suscetível à esta propaganda? Se a propaganda fascista que é um tipo de discurso – e uma verdadeira metodologia de alienação social – continuar vencendo, não teremos futuro. Em que direção devemos agir diante desse estado de coisas?
Eve Babitz e Marcel Duchamp (Foto: Julian Wasser)

Experimentum Crucis

É neste contexto que podemos nos colocar a questão da qual proponho que façamos um “experimentum crucis” teórico-prático: como conversar com um fascista? Digo isso pensando que podemos avançar para além do discurso da denúncia e da queixa. Quem se sente atacado nem sempre deve contentar-se com a posição de vítima. Colocar-se na posição de vítima é um perigo e é muito diferente de ser sujeito de direitos. É uma péssima estratégia em tempos em que o poder está em mãos perversas que adoram imolar vítimas no altar do Estado e do Capital.

A vítima, dizia um sábio alemão que lutou contra o fascismo, sempre desperta o desejo de proscrever. Empoderamento é a saída. Contra a posição da vítima, podemos pensar na posição do guerreiro sutil, aquele que desafia o poder desde a sua interioridade, desde seu núcleo duro, para desmontá-lo estrategicamente. Neste ponto, em bases sutilíssimas, podemos falar de diálogo e a questão “como conversar com um fascista?” se torna um emblema do desafio democrático.

Quem luta por direitos sabe que a conversar é impossível. Mas da possibilidade de perfurar a blindagem fascista depende o recuo do fascismo, infelizmente, a cada dia renovado pelo fomento da propaganda fascista dos políticos antipolíticos e dos meios de comunicação de massa. O diálogo é, neste caso, a “metodologia democrática” básica que poderia operar em situações privadas ou públicas. O diálogo parece impotente diante do ódio. Ele parece delicado demais. Mas o diálogo em si mesmo é um desafio. Um desafio micropolítico, cuja colocação em cena pode nos ajudar a pensar no que fazer, no como agir em escala macropolítica.

Estamos no terreno de uma estratégia teórico-prática. Esse desafio tem três tempos:
1-    O tempo do outro, tempo apavorante enquanto o outro é sempre o desconhecido, aquele que ameaça em algum sentido a “minha” ordem;

2-    O tempo da abertura de si que implica perceber-se como um outro, o que só se dá ao nível do imaginário e do discernimento, pois jamais teremos acesso ao sentir e pensar do outro, assim como ele não terá do nosso, senão pela exposição cuidadosa do que sentimentos e pensamos;

3-    O tempo interminável, a saber, o da permanência na experiência do diálogo, ou seja, a manutenção qualificada da metodologia. Em outras palavras, permanecer no lugar do diálogo como insistência no encontro. Não ceder ao ódio, permanecer tentando entender e, ao mesmo tempo, oferecer certo desentendimento como oportunidade ao outro de entender, ele mesmo, a diferença para a qual está fechado. Nesse sentido, o diálogo é resistência.

O diálogo não é a conversa entre iguais, não é apenas uma fala complementar, mas a conversa real e concreta entre diferenças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.

Para que o diálogo ocorra é preciso haver isso que chamamos de abertura ao outro. A abertura existe na mentalidade democrática, ela está aberta ao outro em função de experiências cognitivas e culturais. A abertura não existe no caso de uma personalidade autoritária, fechada ao outro também por motivos cognitivos e culturais, motivos que incidem na formação da experiência pessoal e coletiva.

A conversa com a alteridade que vai além dos argumentos, tem um ponto decisivo no âmbito afetivo. Não do sentimento apenas, mas do modo como nos “afetamos”, no sentido do que fazemos uns com os outros. Se o democrata está aberto ao outro, seu grande desafio pode ser mostrar como produzir essa abertura ao outro em nossa sociedade. Daí o sentido crucial do lema “como conversar com um fascista?” que se torna, na contramão, um imperativo experimental democrático que precisa ser antecipado na conduta de quem quer produzir democracia hoje.

Não podemos apenas nos queixar que essa abertura não existe, mas pensar em como deve ser produzida. Em outras palavras, a questão pode ser a de como apresentar a experiência do outro a quem ainda não o concebeu? Penso nesse caso, em uma didático-política e em uma estético-política. Infelizmente, não temos as instituições convencionais agindo nessa direção. As instituições negam o outro. Precisamos, portanto, mudar as instituições, ou criar instituições capazes de contemplar o outro.

Sabemos que nossos povos nativos eram, e são, abertos ao outro, assim como sabemos que os colonizadores não eram e que os “ruralistas” de hoje não são. Sabemos que os machistas e sexistas, que os exploradores e manipuladores em geral, também não são. Na base de todos eles está o princípio do fascismo como ódio aos diferentes. Os diferentes que devem ser excluídos. O fascismo produz opressão de um lado, de outro, seduz para a forma autoritária de viver garantindo aos que vivem esvaziados de pensamento, ação e afeto, que o mundo está bem como está. O fascismo cancela, ao nível do discurso exposto nas mídias, nos púlpitos e palanques que constroem opiniões públicas e mentalidades coletivas, a chance de pensar no que estamos fazendo uns com os outros que poderia nos garantir uma vida mais prazerosa. Precisamos revitalizar esta pergunta como pergunta coletiva capaz de orientar nosso diálogo. O fascismo também colonizou os prazeres pelo estético-moralismo que é o consumismo ao qual foi reduzida a antiga e emancipatória categoria ética da felicidade.  Mas não devemos aderir a isso só porque as coisas se apresentam assim hoje.

Treino para o ódio

Dizemos há séculos “o poder corrompe” como se tivéssemos sido treinados para essa citação formal, sem que saibamos muito sobre seu conteúdo. Assim como muitos dizem “tudo o que não presta” imitando uns aos outros no gesto espetacular de falar por falar. A fala por imitação se funda na citação. O autoritarismo é “citacionalista”. Repete ideias lançadas no âmbito da propaganda fascista, ela mesma viciosa e repetitiva. O autoritarismo depende de sua repetibilidade, pois ele é uma máquina de produção de subjetividade pelo discurso. Daí a importância da falação odiosa.

Não pensamos no que dizemos. Para entender o conteúdo do que dizemos precisamos entender a forma com que dizemos. E isso é muito complicado. O diálogo o é mais ainda porque não nos ocupamos em prestar atenção no que pode ser um diálogo, ele mesmo um modo de conversar cheio de potências. Não fazemos a sua experiência na microfísica do cotidiano que poderia nos dizer algo sobre nossa potência de transformação em termos macrofísicos.  Precisaríamos pensar mais, é verdade, mas vivemos no vazio do pensamento, ao qual podemos acrescentar o vazio da ação e o vazio do sentimento.

Atualmente, como em todas as épocas em que o autoritarismo é a prática de extermínio da política, os cidadãos são chamados diariamente ao treinamento do ódio. Sabemos que nenhum afeto é totalmente espontâneo, que nenhum sentimento é natural. O treino para o amor ou para o ódio se dá pela repetição dos discursos. É preciso repetir e aderir, copiar, imitar. Falar por falar. Repetir o que se diz na televisão e nos meios de comunicação. Ficar muito tempo ouvindo a mesma coisa para dizê-la de qualquer jeito. Ou dizer sem sequer saber o que se diz. No gesto do mero “compartilhar” sem ler que se tornou fácil (tanto quanto o “comprar com um clique” pela internet) sabemos que estamos na mera reprodutibilidade da informação que nada quer dizer. Fugimos do pensamento analítico. Fugimos do discernimento que ele exige.

Ora, a fuga do pensamento produz o seu vazio. Ela o retroalimenta. Só a interrupção do círculo vicioso do pensamento vazio é capaz de mudar o rumo autodestrutivo nos âmbitos micro e macropolíticos. O ódio é o afeto capitalista que fomenta a morte diabólica do diálogo. Política é produção simbólica. É sinônimo de democracia como laço amoroso entre pessoas que podem falar e se escutar não porque sejam iguais, mas porque deixaram de lado suas carapaças arcaicas e quebraram o muro de cimento onde suas subjetividades estão enterradas.

A política como perfuração de muros ideológicos depende da persistência da resistência. Depende de aprendermos o que pode ser um diálogo enquanto guerrilha metodológica que precisa ser mais forte do que o ódio nesse momento. Não acabaremos com o ódio pregando o amor, mas agindo em nome de um diálogo que não apenas mostre que o ódio é impotente, mas que o torne impotente.
Então precisamos começar a conversar de um outro modo, mesmo que pareça impossível.
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Fonte:  http://revistacult.uol.com.br/home/2015/05/como-conversar-com-um-fascista/

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