terça-feira, 8 de dezembro de 2015

‘Igreja que papa Francisco deseja está ainda muito longe da realidade’, diz jornalista processado por Vaticano

O jornalista Emiliano Fittipaldi, processado pelo Vaticano pela divulgação de documentos confidenciais. Divulgação

O jornalista Emiliano Fittipaldi, processado pelo Vaticano pela divulgação de documentos confidenciais. Divulgação

O papa Francisco pode entrar para a história como o pontífice que revolucionou a Igreja Católica transformando-a na “Igreja dos pobres”, estando ao lado dos oprimidos e não dos opressores. Entretanto, corre o risco de ser o primeiro papa a permitir que jornalistas sejam processados pelo Vaticano por terem revelado ao mundo a corrupção e o desvio de dinheiro que faziam parte de um esquema para manter a vida luxuosa de alguns cardeais, que ele mesmo definiu como “faraós”.

Acusados pelo crime de divulgação ilegal de informações e documentos confidenciais no escândalo que ficou conhecido como “Vatileaks 2”,  Emiliano Fittipaldi, autor do livro “Avarizia” (“Avareza”, em tradução livre, que será lançado no Brasil pela editora Planeta), e Gianluca Nuzzi, autor do livro “Via Crúcis”, se condenados, podem ser sentenciados a até 8 anos de prisão. Eles serão interrogados pelo Vaticano em audiência fixada para esta segunda-feira (07/12), data que antecede a abertura do Jubileu da Misericórdia, celebração oficial que ao longo de um ano promoverá a misericórdia entre os católicos.

Diferentemente do primeiro “Vatileaks”, agora existem documentos. Em “Avarizia”, Fittipaldi revela que doações feitas à instituição filantrópica Fondazione Bambino Gesù foram usadas para pagar a reforma do apartamento do cardeal Tarcisio Bertone; que existem vários cardeais vivendo em apartamentos de 400 metros quadrados no coração de Roma; que o cardeal George Pell – nomeado por Francisco – gastou cerca de 500 mil euros em seis meses comprando móveis, tapetes e roupas de luxo e viajando em primeira classe.

O livro ainda revela que o Vaticano fatura 60 milhões de euros por ano com a venda de gasolina e tabaco e que no Ior (Istituto per le Opere di Religione), o banco do Vaticano, ainda existem cerca de 100 correntistas italianos. Mostra também que até para virar santo é preciso de muito dinheiro: em média, a santidade custa entre 400 mil e 500 mil euros.

A lei que criminaliza a divulgação de informações e documentos sigilosos foi criada em 2013 pelo papa Francisco. Além dos jornalistas, também estão sendo processados o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, próximo ao Opus Dei; Nicola Maio, colaborador de Balda; e a consultora italiana Francesca Immacolata Chaouqui. Balda está preso no Vaticano e Francesca foi libertada após ter concordado em colaborar com a Justiça. Estes últimos faziam parte de uma comissão criada por papa Francisco, também em 2013, para controlar as finanças da Santa Sé.

Como última monarquia absolutista do mundo, o Vaticano negou aos imputados a escolha de seus advogados. Tanto Fittipaldi quanto Nuzzi haviam nomeado seus representastes legais, mas o pedido foi negado pelo Tribunal do Vaticano, impondo que a defesa seja feita por um advogado “rotário”, isto é, um defensor credenciado  pelo próprio Vaticano.

A reportagem de Opera Mundi esteve na redação da revista italiana L’Espresso, onde Fittipaldi trabalha, e conversou com o jornalista.

Opera Mundi: “Vatileaks 2” é uma continuação do primeiro “Vatileaks”?
Emiliano Fitippaldi: Não exatamente. A diferença é que no primeiro “Vatileaks” foram publicados documentos reservados sobre a vida privada de algumas pessoas, contando desentendimentos entre cardeais, acusações de homossexualidade, uma cúria fora de controle, mas o que era interessante mesmo era o fato de que documentos reservados haviam sido publicados. No meu caso, não tem nada de pessoal, nenhuma linha sobre o Papa ou os cardeais. Eu falo sobre o negócio financeiro da Santa Sé, falo do patrimônio do Vaticano, de como é administrado, conto histórias de corrupção dentro do Vaticano e do Ior. E do ponto de vista penal, o primeiro termina somente com um indiciado, Paolo Gabriele. Neste segundo Vatileaks, o que predomina é a lei de 2013 assinada por Francisco que criminaliza quem extrai e publica documentos secretos. É uma lei muito severa que vai contra a liberdade de imprensa. Pela primeira na história do Vaticano dois jornalistas estrangeiros são indiciados. Respondo a um processo porque eu simplesmente fiz meu trabalho e por isso posso ser condenado de 4 a 8 anos de prisão.

OM: Quando você entendeu o conteúdo dos documentos que tinha recebido, qual foi sua reação?
EF: Para encontrar esses documentos, falei com uma dezena de fontes. Balda me deu somente algumas páginas, que contribuíram para 5% do livro. Estes documentos sigilosos vieram parar em minhas mãos após um longo trabalho jornalístico, mas também usei muitos documentos abertos, que sozinhos não tinham muita informação, mas cruzados aos sigilosos, diziam muito. Fiz um profundo trabalho investigativo, mas as pessoas não o percebem por conta desse processo caótico. O livro é cheio de fontes, de histórias, de documentos. Após um ano de investigação e da publicação da primeira matéria sobre o caso na revista [L’Espresso], percebi a história incrível que tinha nas mãos.

Diferentemente do primeiro “Vatileaks”, agora existem documentos. Em “Avarizia”, Fittipaldi revela que doações feitas à instituição filantrópica Fondazione Bambino Gesù foram usadas para pagar a reforma do apartamento do cardeal Tarcisio Bertone; que existem vários cardeais vivendo em apartamentos de 400 metros quadrados no coração de Roma; que o cardeal George Pell – nomeado por Francisco – gastou cerca de 500 mil euros em seis meses comprando móveis, tapetes e roupas de luxo e viajando em primeira classe.

O livro ainda revela que o Vaticano fatura 60 milhões de euros por ano com a venda de gasolina e tabaco e que no Ior (Istituto per le Opere di Religione), o banco do Vaticano, ainda existem cerca de 100 correntistas italianos. Mostra também que até para virar santo é preciso de muito dinheiro: em média, a santidade custa entre 400 mil e 500 mil euros.

A lei que criminaliza a divulgação de informações e documentos sigilosos foi criada em 2013 pelo papa Francisco. Além dos jornalistas, também estão sendo processados o padre espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, próximo ao Opus Dei; Nicola Maio, colaborador de Balda; e a consultora italiana Francesca Immacolata Chaouqui. Balda está preso no Vaticano e Francesca foi libertada após ter concordado em colaborar com a Justiça. Estes últimos faziam parte de uma comissão criada por papa Francisco, também em 2013, para controlar as finanças da Santa Sé.

Como última monarquia absolutista do mundo, o Vaticano negou aos imputados a escolha de seus advogados. Tanto Fittipaldi quanto Nuzzi haviam nomeado seus representastes legais, mas o pedido foi negado pelo Tribunal do Vaticano, impondo que a defesa seja feita por um advogado “rotário”, isto é, um defensor credenciado  pelo próprio Vaticano.

A reportagem de Opera Mundi esteve na redação da revista italiana L’Espresso, onde Fittipaldi trabalha, e conversou com o jornalista.

Opera Mundi: “Vatileaks 2” é uma continuação do primeiro “Vatileaks”?
Emiliano Fitippaldi: Não exatamente. A diferença é que no primeiro “Vatileaks” foram publicados documentos reservados sobre a vida privada de algumas pessoas, contando desentendimentos entre cardeais, acusações de homossexualidade, uma cúria fora de controle, mas o que era interessante mesmo era o fato de que documentos reservados haviam sido publicados. No meu caso, não tem nada de pessoal, nenhuma linha sobre o Papa ou os cardeais. Eu falo sobre o negócio financeiro da Santa Sé, falo do patrimônio do Vaticano, de como é administrado, conto histórias de corrupção dentro do Vaticano e do Ior. E do ponto de vista penal, o primeiro termina somente com um indiciado, Paolo Gabriele. Neste segundo Vatileaks, o que predomina é a lei de 2013 assinada por Francisco que criminaliza quem extrai e publica documentos secretos. É uma lei muito severa que vai contra a liberdade de imprensa. Pela primeira na história do Vaticano dois jornalistas estrangeiros são indiciados. Respondo a um processo porque eu simplesmente fiz meu trabalho e por isso posso ser condenado de 4 a 8 anos de prisão.

OM: Quando você entendeu o conteúdo dos documentos que tinha recebido, qual foi sua reação?
EF: Para encontrar esses documentos, falei com uma dezena de fontes. Balda me deu somente algumas páginas, que contribuíram para 5% do livro. Estes documentos sigilosos vieram parar em minhas mãos após um longo trabalho jornalístico, mas também usei muitos documentos abertos, que sozinhos não tinham muita informação, mas cruzados aos sigilosos, diziam muito. Fiz um profundo trabalho investigativo, mas as pessoas não o percebem por conta desse processo caótico. O livro é cheio de fontes, de histórias, de documentos. Após um ano de investigação e da publicação da primeira matéria sobre o caso na revista [L’Espresso], percebi a história incrível que tinha nas mãos.

OM: Quantos apartamentos de propriedade do Vaticano existem em Roma?
EM: Cinco mil apartamentos que valem 4 bilhões de euros. Eu não sou contrário ao fato que o Vaticano possua imóveis, mas o problema é como são utilizados. Eles deveriam ser alugados pelo preço de mercado e o dinheiro arrecadado deveria servir para as missões sociais da Igreja no exterior. Em vez disso, são dados a cardeais, que vivem nesses espaços enormes de 400 ou 500 metros quadrados, e o dividem com freiras, que no fundo são suas empregadas: cozinham, fazem o serviço de casa, etc. Não há refugiados nesses apartamentos, mas jornalistas, funcionários públicos e políticos. Os mesmos que depois decidem no Parlamento quanto dinheiro será destinado ao Vaticano. Aqui temos um conflito de interesses muito grave.

OM: Papa Francisco foi eleito como o “papa do bem”. Essa imagem ajudou a cobrir a corrupção interna no Vaticano?
EF: A figura de papa Francisco, o papa da rua, foi uma grande ideia, uma grande operação midiática: Bergoglio, o jesuíta que se faz chamar Francisco para dar um sinal ao mundo de que o luxo, a avaria e os milhões pertencem ao passado. Porém, isso não basta, é preciso ser coerente. Obviamente, existe política dentro do Vaticano, ele não pode fazer tudo sozinho. O que digo e mostro no livro é que o papa Francisco é muito mais sozinho do que imaginamos. Talvez por isso tenha ficado nervoso com a publicação do livro. Não existe a Igreja dos pobres; aquela que ele deseja está ainda muito longe da realidade.

 Capa da edição italiana de 'Avarizia', livro de Emiliano Fittipaldi

OM: Você acha que um dia essa Igreja vai se realizar?
EF: Eu sou otimista, mas a reação que tiveram me faz ser menos otimista. Se você ler o livro, vai ver que apoio as frases do papa Francisco. Mas além das palavras devemos ir aos fatos. Por que estou sendo processado? É porque denunciei a roubalheira? Por que não pediram ao cardeal Bertoni que restituísse o dinheiro à Fundação Bambino Gesù que ele usou para reformar seu apartamento? Por que George Pell, que foi escolhido pelo próprio Francisco e que é testemunha em um processo por pedofilia na Austrália, ainda está em seu cargo? Sou um jornalista investigativo e conto fatos, que por sinal até agora não foram rebatidos.

OM: Mas fica difícil desmentir um documento, não?
EM: Sim, eles não têm como fazer isso. Mas essa história tem um paradoxo incrível. Em um processo por publicação de documentos sigilosos, a imprensa italiana fala pouco sobre o conteúdo do livro, mas se interessa muito pela notícia de que existe a possibilidade de jornalistas serem presos.

OM: Qual foi sua reação quando descobriu que seria processado?
EM: Incredulidade. Não acreditava, até porque não conhecia a lei sobre publicações do Vaticano. Depois fui verificar e efetivamente o Vaticano não prevê a liberdade de imprensa, o direito ao jornalismo, não há uma regulamentação. Mas mesmo se conhecesse [a lei] antes, teria publicado o livro do mesmo jeito. Agora vamos ver no que dá, até onde isso vai chegar.

OM: E se for condenado?
EM: Entrarei com recurso, mas é muito difícil que consiga me defender da acusação. A lei diz que não posso publicar documentos reservados e eu publiquei, como contradizer o fato? Não posso dizer que apelo ao artigo 21 da constituição italiana porque lá não é válido.

OM: Poderia recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos?
EM: Não, porque o Vaticano não está na Corte Europeia. Do ponto de visto jurídico, não existe nada de ocidental no Vaticano. É um país com um código penal antiquíssimo, com características que não existem em nenhum outro país do mundo.

OM: Papa Francisco está perdendo sua luta pela moralização das finanças do Vaticano?
EM: Não, eu acho que esse é só o começo e que será uma estrada muito longa a ser percorrida, mas o papa não pode mais cometer outros erros de avaliação, não pode mais se rodear de pessoas como essas. George Pell foi nomeado novo secretário da economia, gastou 15 mil euros para pagar seu contador, gastou milhões em mobília para a casa, voa na primeira classe, na Austrália é definido por muitas vítimas como um sociopata, etc. Papa Francisco pode até dizer que não sabia, mas agora ele sabe. Francisco disse que Balda foi um erro, mas ele é acusado somente de haver divulgado documentos. O que deveria deixar Francisco feliz, porque é ele quem faz o discurso da transparência na igreja. Não entendo porque Balda é malvado e Pell o bonzinho da história.
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Reportagem por  Janaína César Do Opera Mundi
Fonte:  http://www.sul21.com.br/jornal/igreja-que-papa-francisco-deseja-esta-ainda-muito-longe-da-realidade-diz-jornalista-processado-por-vaticano/

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