terça-feira, 30 de agosto de 2016

ALBERTO MANGUEL: O intelectual está em extinção, diz escritor.

Feria del libro 2016 inauguracion Alberto Manguel fotos German Garcia Adrasti Foto: german garcia adrasti/Clarin ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***

Certa vez Alberto Manguel viu-se perdido em uma selva escura. Não era uma selva de verdade, mas aquela em que Dante Alighieri (1265-1321) conta ter entrado, logo no começo da "Divina Comédia".
Desde então, o escritor argentino, 68, visita o inferno, o purgatório ou o paraíso todas as manhãs. Foi dessa experiência que saiu seu novo livro, "Uma História Natural da Curiosidade" (Companhia das Letras, 488 págs., R$ 74,90). 

Manguel participa, nesta terça-feira (30), de um debate com o historiador americano Robert Darnton. O evento inicia uma série de encontros realizados em comemoração pelos 30 anos da Companhia das Letras. 

"[A 'Comédia'] parece um livro infinito. Minha cabeça estava cheia de ideias surgidas com a leitura de Dante. Mas sou apenas um leitor comum que ficou perdido nos três mundo dele", afirma.

Em cada um dos 17 capítulos da obra aparecem grandes questões –e os insights de grandes livros do passado. Quem sou eu? O que é linguagem? O que é verdade? 

"Nós, seres humanos, somos seres questionadores. A curiosidade é um instrumento de sobrevivência, que nos leva a fazer perguntas e usar a imaginação para encenar a experiência que ainda não tivemos", diz Manguel. 

"Por isso toda religião e toda instituição política tem não só um dogma, mas usa também histórias."
Manguel, que na juventude lia para Jorge Luis Borges, quando o escritor perdeu a visão, hoje é presidente da Biblioteca Nacional da Argentina –mesmo posto ocupado pelo autor de "O Aleph". 

Dono de uma coleção de 30 mil livros, Manguel sabe ser representante de uma espécie em extinção: o homem de letras, aquele que parece uma enciclopédia do saber humanístico. "O intelectual é uma espécie em extinção. Vivemos em um mundo estruturado em torno da máquina comercial". 

Para Manguel, o mundo contemporâneo não quer indivíduos que reflitam, por estar mais interessado em formar consumidores. "Há um vazio de educação sobre a memória do passado comum, de nossos valores. Não diria que já tivemos uma sociedade justa. Mas no passado havia um esforço para questionar momentos injustos." 

Ainda segundo ele, o mundo vive um impasse político em que apenas são bradados slogans, repetindo a linguagem publicitária. E Manguel cita o Brasil como exemplo. 

"São corruptos acusando outros de corrupção. Nenhum vocabulário ético definiu uma situação assim: uma disputa entre aqueles que cometeram crimes e aqueles que cometeram crimes. Por isso [para algo assim existir], é preciso uma sociedade que não pensa". 

A imagem que vem à cabeça do autor é a do mundo imaginado por H. G. Wells em "A Máquina do Tempo": uma sociedade de seres bestiais que trabalham brutalmente e não pensam. Acima, uma classe desconectada da realidade dos que vivem abaixo dela. 

Acompanhando a política brasileira, Manguel brinca que vai incluir o Brasil na próxima edição de seu "Dicionário de Lugares Imaginários", que reúne locais da literatura onde ocorrem as coisas mais irreais.

Uma História Natural da Curiosidade
Alberto Manguel
l
Na programação de eventos pelos 30 anos da Companhia das Letras, no Rio e em São Paulo, ainda haverá encontros com Mia Couto, Maria Bethânia, David Grossman e Ian McEwan.

"Houve uma escolha afetiva dos autores que acompanharam a história da editora", diz Luiz Schwarcz, presidente do grupo Companhia das Letras. "Manguel e Darnton são homens que perseguem a biblioteca. Ou são perseguidos por ela." 

Além dos eventos, a editora prepara a edição das obras completas de Raduan Nassar, com três inéditos do autor. 
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Reportagem por  MAURÍCIO MEIRELES - DE SÃO PAULO
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/08/1808235-o-intelectual-esta-em-extincao-diz-escritor-alberto-manguel.shtml

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