sábado, 30 de dezembro de 2017

O AMOR TAMBÉM SE APRENDE

ABRÃO SLAVUTZKY

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Há frases afirmativas que pedem uma interrogação ao final, quase como uma brincadeira. Transformar uma verdade numa pergunta abre o espaço para se pensar. Foi o que fiz, já faz anos, com o título de hoje: amor também se aprende? A dúvida foi decorrente das dificuldades de mudanças e da tendência humana a repetir comportamentos, a compulsão à repetição. Além do que, é difícil entender o amor ao ser graça e desgraça, alegria e tristeza, ternura e raiva, sensualidade e desespero. O amor convive com o ódio, é ambivalente, daí as oscilações. O amor é um sentimento o qual tanto se conhece como se desconhece. As escolhas amorosas são sempre misteriosas. 

O poeta é quem melhor consegue definir o amor. Foi Camões que ensinou: "Amor é fogo que arde sem se ver". Não se vê porque é invisível, pois se fosse visível tudo ficaria mais fácil. Sendo o amor invisível, ele precisa de provas, são as provas de amor, provas de que está vivo, pulsante. Nas mais variadas relações, um demanda do outro as demonstrações de ser realmente amado. O objetivo do amor é ser reconhecido pelo outro na sua essência singular. Sentir-se único, insubstituível, necessário, algo como se imaginar o melhor do mundo para o outro. O amor não nos protege dos azares da vida, mas ele é que gera os melhores dias da existência. O amor não é a perfeição, às vezes é o inferno, mas só ele nos reconcilia com o paraíso perdido. Concluí, com o tempo, que o amor também se aprende, quando ocorrem transformações narcisistas. Isso porque o amor aos progenitores, à primeira família, com o tempo, deve ceder espaço aos novos amores. Essas transformações psíquicas ocorrem ao longo de toda uma vida. O amor deve conquistar parte dos territórios dominados pelos amores infantis. Com o tempo e o vento a favor, o ser amado passa a ser o grande amor, ao crescer a coragem de abrir realmente o coração. Então se pode conhecer a plenitude amorosa. 

Há uma tendência a se dizer que o tempo vai matando o erotismo. Aí depende da capacidade de imaginação dos amantes de inventar, renovar o entusiasmo do casal. Desafio difícil, mas não impossível. E se a parceria amorosa estável não acontece, são possíveis os amores temporários. Também há os que se dedicam aos demais, seja no trabalho ou nas indispensáveis amizades. Aprecio escutar os que terminam inventando vidas criativas com amor às artes, aos animais, à natureza. O amor é uma ponte que permite sair de dentro de si para se abrir ao outro, ao mundo. 

Em psicanálise, se sabe que todas as histórias terminam falando de amor. O tratamento transcorre na relação transferencial. A transferência é uma história de amor, assim como no amor sempre ocorrem transferências. Transferimos protótipos infantis nos amores sem perceber, pois são inconscientes. Também ao escrever transfiro vivências, pensamentos através de palavras. Tenho buscado as palavras, mas nem sempre encontro. Desejo a todos nós mais amor neste novo ano, pois o amor também se aprende. Um dos aprendizados é que o amor não nos habita sem queimar. Por isso, os franceses dizem: o amor é uma loteria... não, não, pois na loteria se pode ganhar!
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 * Psicanalista
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=45e386443077da53fcfe55cc64300f01
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